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Cronicas-->Elevador -- 15/08/2015 - 18:23 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Estou para entrar no elevador. Custa-me demais subir doze andares a pé, coisa mais do que recomendada pelos mais doutos cardiologistas e as mais eminentes nutricionistas: Ao doce, as escadas; ao macarrão, o suadouro. Segundo uma amiga minha, dissolve-se a raiva no exercício. Diz ela também que há sete anos eu procuro levar dela um chega-pra-lá, mas ela resiste ao impulso. De tal forma que, incólume, cá estou eu esperando a chegada desse leva e trás, esse maquinismo que determina minha subida às alturas do espírito ou minha descida aos negrumes do subsolo. Dezessete, dezesseis, quinze...A lentidão dos túneis de Santos, a lerdeza dos espíritos amortecidos...treze, doze...a contagem regressiva do foguete mais lento do mundo...oito, sete...sete...sete...

--...Parou!
--...Deus do céu, agora aquelas marocas vão falar, falar e falar. E nós aqui...
--Nós todos esperando chegar o tal expresso do Ocidente.

Quem fala são duas senhoras que há tempos bufam e tartamudeiam com a própria sombra. Para elas o mundo não passa de uma demorada espera de elevadores; uma tem um pequeno poodle, branco e de olhos arregalados, de ar indócil como o dela mesmo, olhar enviesado e feição de quem comeu e não gostou de nada. A outra é uma senhora de meia idade com uma pastinha e um celular( maldito) que toda hora emite pipilos de recadinhos talvez ilegíveis ou pior, talvez inconfessáveis. Três, dois...

--...Parado de novo!
--Caramba. O que custa descer dois andares?
--Sabe-se lá; talvez um joelho arrependido!

Quem falava era um senhor de compleição magra, já entrado em anos mas nem por isto menos digno de respeito. Abriu-se a porta da sala de espera e chegou até nós o velho senhor esquecido.

--Ihhh, lá vem...
--Com certeza já esqueceu até de si mesmo.
--Espero que tenha se esquecido de mim.

E lá veio com andar hesitante o motivo da chacota; ele já iniciara um processo de demência. O bom disso tudo é que, sempre que me encontrava, era como se fosse a primeira vez ou pelo menos é assim que parecia.

--Como vai!!! Há quanto tempo!
--O prazer é todo meu! ( eu lhe dissera isto há um dia)
--Como vai sua esposa?
--Bem e a sua?
--Ah ah ah! Assim assim. Sabe como é, ela fica bem...fica melhor...

O pequeno poodle de olhos esgazeados e arredios fitava os pés do velho homem com certa astúcia, talvez planejando como sangra-lo depressa e acabar com seu sofrimento cognitivo... Ou talvez lhe passasse a idéia de como sua dona era fria e desprezível; talvez lhe ocorresse uma certa dúvida se o melhor não seria fugir e correr à liberdade dos campos perdidos que amaldiçoava sua raça desde que fora domesticada por esses pernaltas. Resolveu rosnar ao velho engraçado.

--Grrrrrrrrrrrr!
--Ele está bravo!
--Ele sempre está bravo!
--Ele nunca sorri.

Sua dona ressaltava a própria incapacidade dela mesma sorrir, mesmo quando cumprimentada, mesmo quando se dizia algo agradável. Na proximidade exígua da porta do elevador, toda psique se torna refém da situação limite. O alívio é externar as opiniões mais rasteiras para se livrar do silêncio que toma o ambiente. Isso porque ainda não chegara a plataforma que ia levar, por baixo, eu e mais cinco pessoas, fora o pequeno animal azedo.

--Chegou!!!!
--Finalmente!

Abre-se a porta e sai uma pequena multidão, duas crianças mostrando as línguas, a mãe visivelmente irritada com a espera, o zelador com cartas não entregues ainda, a empregada gorda e suada de um andar elevado, o representante da telefonia e mais uma senhora com um cão magro de dar dó...

--É que ele está doente!
--Ah, mas melhora!
--Nossa, quanto tempo!!
--O senhor já me viu hoje!
--Quando?...
--Agora há pouco. Lembra?
--Ah, a senhora me desculpe...Hahahahahahahaha.
--Vida, minha vida, é dureza...
--Grrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr...
--Ele está bravo!
--O senhor já disse isso.
--Quando?
--Hahahahahahahahah!

Pronto, entramos no elevador. Fecha-se a porta. O tranco leve denuncia sua subida; lá vamos nós ao Paraíso de nossos lares suspensos. Plataformas sobre plataformas, lajes sobre lajes. Nossa solidão continua; se era antes em casas que morávamos, agora são lajes que habitamos em torres construídas. Se fossem torres de babel, mas não! Quando há muito tempo se tentara construir uma, Deus em sua infinita misericórdia separara os povos pelas línguas confusas. Agora Ele nos pune colocando-nos empilhados, solitários, uns sobre os outros, falando a mesmíssima língua. Aproveitamos para nos queixar dos vizinhos inúteis, barulhentos, bisbilhoteiros, fofoqueiros, traiçoeiros...Deus soube o que fez.

--Que andar o senhor vai?
--Deixe-me ver...Deze...
--Dezessete, aperte aí.
--Hahahahahahahaha, isso mesmo. Como é que fui esquecer?
--Grrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr!!!!
--Ele está bravo!
--Deveras.

Um, dois...

Tiiic tiiic tiiiic. Coça coça. Grunhe grunhe, coça. Grrrrr. Tique tique!!! Tatibitati. Tonc tonc tonc. Tim! Tim! Coça coça.

--Hahahahahahahahahahaahahahahahahahah!!!!
--Que foi?
--Não me lembro; talvez essa barulheira toda...

Dois...

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