Lembro até hoje de um episódio que marcou minha juventude. Eu estudava no Objetivo, na Paulista. Como morava perto da Paulista, vinha a pé, para entrar pela Vergueiro caminhando. Acontece que passava por um viaduto que passa por cima da Vinte e três de Maio. Eu caminhava rápido e ao passar perto da Estação Paraíso ( aquela envidraçada, mesmo) deparei com uma chama, parecia um imenso maçarico. O fogo vinha de um duto, saía de uma canalização que passava sob o tal viaduto. Não gostei do que vi, até porque cheirava a gás. Do outro lado, havia um policial militar, estacionado junto com outros dois num desses carros da ROTA tão temidos na época.
--Senhor!
--Que é, moleque?
--Senhor, dá uma olhada ali.
--Ali onde?
--Passei por uma coisa estranha ali. Tem um fogo saindo dali...
--ó moleque, andou fumando umas ervas?
--Senhor, por favor, verifique. Faz calor aí!
Um olhou o outro, muito incomodado, afinal, um moleque secundarista sempre pode ser subversivo, ou um vagabundo destes que ficam fumando maconha, esta destruidora de lares da sagrada família brasileira.
--Não se enxerga não? Sai já daqui, seu bosta!
--Sai senão vai pra delegacia, bostinha.
Vou lá contestar? Na época, os gorilas eram paus mandados dos ogros que obedeciam os xucros bandidos do Poder.
Cheguei em casa, a solidão do adolescente de sempre, ninguém em casa, fui ler e estudar para meu cursinho...Eu levava o terceiro ano de manhã e de tarde cursava uma dependência que ficara do Bandeirantes.
Não abri o bico em casa. O que iriam pensar de mim? Absorvido em meu estudo, fiquei na minha. Era assim que a época nos tratava; querem de volta?
Pois bem, eram quatro horas da manhã quando todos fomos acordados por enorme explosão. Lembro-me de ter saído com meu irmão para explorar o que acontecera. Lá, onde eu passara, metade do viaduto explodira e caíra sobre a Vinte e Três. Havia carros atingidos e as forças de segurança isolavam o local. Todos os vidros da estação Paraíso quebrados, tudo estilhaçado. Quem viveu, lembra do terror.
--Foi atentado?
--Como assim?
--Foi bomba, foi bomba!
--...Os terroristas! Os terroristas!
--...Caos aqui, comando. Tem gente ferida...
--Acordei agora. Caiu um avião?
--Que porra é essa?
O exército já chegara e nos tratava como sempre:
--Sai, seus bosta!
--Dispersando, cambada!
--Sai daqui! Sai daqui!!! Porra!
--Dispersando, dispersando!!!!
Nunca fiquei sabendo o que aconteceu. Na verdade, houve vazamento de gás, formou-se um bolsão e explodiu tudo. O bosta aqui quis avisar...Mas eu era apenas um bostinha.
Hoje, tem gente defendendo a volta dos mandriões ao poder. Eu desejo ardentemente que eles caiam todos na vala do mata-burro.
Amém.