Já que estamos no assunto de Florais de Bach, vamos imaginar algumas cenas. Digo cenas porque eu me imagino escritor; maior mentira não há porque se escrevesse mesmo, haveria quem lesse. Mentira tem perna curta. Mas imaginemos uma drogaria alternativa. Ao entrar, Ã esquerda você vê um cristal emitindo suaves pulsos de luz alternante, de várias cores e intensidades, sem ofuscar ninguém. Uma essência invade o ambiente calmo e um canto contínuo vem da direita de quem entra: lá, uma moça muito bonita, pele de pêssego e cabelos ondulantes, entoa em si bemol um mantra contínuo que acalma, extingue os ruídos externos, prepara o lugar para o encontro de almas semelhantes.
Lá está a mãe prestimosa da moça nervosa. Lá está o quadro de uma paisagem de filme, montanhas plenas de luz encimadas por nuvens, talvez o Pico da Bandeira ou da Neblina, pontos altos do Brasil e pelo tanto que se vê, frequentados pelos donos de tal farmácia. Quem entra ao passar pela porta toca um sino que harmoniza com o mantra em si bemol.
--Pois não?
Quem atende é um senhor alto, com um monóculo e um ar de quem já experimentou de tudo um pouco; transmite dignidade, cultura vasta e uma profunda sabedoria ( porque nem sempre uma leva à outra e vice-versa)
--Ah, eu vim do médico. Ele não receitou nada mineral. Prefiro que ela tome Florais de Beethoven.
--Ah, senhora, os florais são vários aqui. A senhora veio ao lugar certo. Mas os florais de Bach são mais recomendados.
--Mamãe!
Chega um outro moço, após as duas saírem de lá com a tal essência que tanto queriam...
--Moço!...
--Muito obrigado pelo moço. Em que posso ajudar?
--Ando esgotado...Preciso de um reforço.
--Florais de Beethoven. Heroica. Pra já! Salta uma heroica pro rapaz aqui!
A moça do mantra manda uma vibração quàntica e pega a caixinha que pula como se por magia do manto que amarelo a mantém aquecida. Já mudou de si bemol e lança ao ar um fá sustenido.
Aproxima-se um camarada com um rosto vermelho sanguíneo, ruivo e todo sarapintado de sardas.
--Por favor!
--Pois não?
--O senhor teria algo para mentirosos?
--Tenho. Chama-se Floral de Munchausen.
--Que raios é isso?
--Meu amigo, se você der esse tal floral à pessoa que mente, ela mentirá tanto, mas tanto, que talvez acredite que é mentira a mentira que deveras tente. Então...
--...Então?
--Então quem sabe ela vire uma vereadora, uma senadora, quiçá alguém importante?
--Entendi! Vou levar!
--Salta um Munchausen pro ferrugem aqui, Santa!
Como por milagre, a caixa levita à s mãos do espevitado ruivo que deixa a loja com um brilho no olhar.
Batem os sininhos, agora em dó menor para poupar as cordas vocais da suave musa da vitrine.
--Senhor.
--Nem tanto; em que posso servi-la?
--Quero aperfeiçoar meus dons, que só ao chuveiro encantam. Vivo a cantar, porém de tão maviosa voz necessito que preciso de um feitiço...
--Calma. Temos o Floral Callas, temos o Floral Plácido e o Floral Domingos. Os três excelentes, em doses alternadas. Já o Floral Caruso é para nível adiantado.
A moça pensa, pensa e pede afinal o Callas, que de Caruso ninguém é capaz de ouvir, ainda mais hoje em dias de tão esmeradas gravações sem uso.
Tin tin...
Entra um indivíduo assim ensimesmado; dir-se-ia um amante da filosofia, barba grande e olhar astuto, um Nietzsche de grossas sobrancelhas e vasto bigode.
--Companheiro...
--O senhor quer Floral ou Mineral?
--Camarada, preciso me conter. Ando a imaginar crimes que nunca cometi, por terras onde nunca pisei...
--Já sei! O senhor precisa de Florais Tchaikovski, modo Patético.
--Mas...Mas...
--Sem mas, todavia ou porquê: É sua cara! Use sem moderação, embora eu não os use faz tempo.
Nisso, volta a mãe exacerbada com sua filha lindíssima. Notável transformação na moça, que agora exibe um olhar calmo e ciente de sua própria beleza; exala suspiros que talvez denotem o tamanho da paixão que a acomete.
--Moço!
--Sim?
--Tem um Floral para acalmar tanto desejo?
--Tem! Floral Kariênina. É tomar ou largar!