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Cronicas-->O Inferno de Cadeira -- 28/01/2016 - 08:35 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Bom dia a todos. Se dedilho com dificuldade, muito se deve à cadeira do consultório da sala que é a minha: Ela insiste em baixar, como se fosse um elevador em miniatura. Fico com a estranha sensação de ser Mozart no filme Amadeus, com a diferença que não tenho o talento dele de tocar piano de costas e com as mãos trocadas. Portanto, sinto-me um pequeno anão tentando subir pela parede que me cerca da escrivaninha que se encontra à altura de meu queixo. Imaginem os senhores, as senhoras e os nem tanto nem tão pouco: Minha barba faz então o papel de pincel, limpando o teclado e a mesinha à minha frente. De qualquer forma, o teclado fica impecável, aproveitando-se de minha barba branca; talvez a barba se tinja de um suave cinza que é claro, não será tintura de cabelos. Afundo lentamente no chão da sala, eu acho que a cadeira entrou em colapso gravitacional e me puxa a um mundo de horizonte de eventos, donde talvez nem a luz saia, quanto mais meus dedos que já acionam as teclas sem visão, ou talvez errando de posição. Raios. Mas vejam, tudo tem um lado positivo: Ao sofrer a queda inabalável como o capitão do Titanic, minha barriga passou veloz e incólume pelo móvel, o que indica que meu calo abdominal não se encontra pronunciado nem eventualmente passível de correção cirúrgica. Deus me livre, disso definitivamente me livro. Mas a seguir são os braços que se alongam feito os membros de uma estátua magra, para que eu continue deixando aqui meu depoimento; que cadeira é essa? Baixou sem minha ordem e consentimento! Sumiu metade dela e eu tenho agora certa perspectiva pélvica, como se todos que se me chegassem perto tivessem o dobro de suas reais alturas. Enfim, um exercício de 1. Humildade, pois que isso me reduz à minha real altura ou à de uma criança, o que não deixa de ser útil e 2. Habilidade manual, uma vez que algumas palavras brotam sozinhas de meus dedos, passando mais a ser medulares do que tangidas pela passagem cortical da informação e seus tratamentos e censuras. Uma espécie de escrita automática, quase uma grafia espiritual. Quem sabe se, grafando assim, eu não me torne o primeiro escritor medular do mundo? As palavras, brotando do nada e diretamente, sem censura, passando ao papel virtual através da máquina do mundo. O mundo que passou veloz, meu queixo inclinado para cima, a parede da escrivaninha alta, os dedos compridos, será que tomei a poção de Alice, será que um dia volto à minha condição perfeita e normal? Será que?...

 

 

--Doutor, seu primeiro paciente chegou.
--Obrigado! Como é o nome dele?
--Dante.

Chi, vai ser um inferno.

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