Seja lá como for que a chamem, existe a tal lei implacável da causalidade. Podem os filósofos tergiversar, uns a eliminando da plausibilidade, denominando-a Caos, outros a relevando como absoluto imprevisto; muitos há, no entanto, que a consideram não só parte, como o verdadeiro desenvolvimento de uma causa maior, aquela que impera acima e apesar de nossos destinos; esta tal causa seria o movimento por si, o moto-contínuo ( talvez aquele que originou o mundo e o pôs em movimento junto com os outros mundos) e que, sem saber como, se originou de si mesma, pondo-se a refletir sobre seu ponto cego, a saber, de onde ela mesmo veio e quem a teria posto em movimento? Quem? O quê? Enquanto as águas correm sob seus pés, refletindo seu voo imaginário, ele reflete sobre o próprio flamejar acima do Sol, dentro e propriamente no núcleo do próprio corpo estelar, mais adiante ainda em sua própria essência como Vontade e como mera imagem de si refletida nas areias da praia onde ele flutua sobre os reflexos das ondas do mar absurdamente claro, cheio de mariscos e pequenos seres que escavam túneis no vaivém das ondas infatigáveis.
Os pés dela estão bem ali, ao alcance de seus olhos, na imagem que se funde e se repara misturada ao gel do mar liquefeito, pequenos pés que se dissolvem e se reencontram com as possíveis frestas da Realidade exposta em partes graciosas, seja porque ela corre ao seu lado, sorridente, seja porque o dia na praia está exuberante ou mais ainda seja porque eles flutuam sobre o mar, perfeitos reflexos de si mesmos, pedaços de rostos que se adensam nas brumas do dia que nasce. Os pés dela são perfeitamente simétricos, repousam sobre a ignorância do mar furioso que se amansa sob suas delicadas passadas. A respiração de ambos, ritmada, entrecortada pelo esforço de em mais de um momento, entrarem as pernas em combate com uma onda mais desenfreada que lhes atinge os joelhos e no retorno amolece as areias já rebuscadas pela maré vazante.
Os cabelos dela esvoaçam. O detalhe encantador do sorriso e da concha pendurada às pressas à guisa de prendedor de um cacho, negros cabelos revoltos no vento da marcha e da maresia que enche o mundo de cores neblinadas. O sorriso lhe faz duas covinhas no rosto, bem ao lado dos lábios; ela está feliz, ele também, porque pairam sobre as águas de um oceano indomável, voando como duas gazelas, em saudável competição de enternecimento mútuo.
Param, cansados, o fluxo do mar lhes envolvendo coxas, pernas, nádegas. O Oceano que vai fora lhes corre dentro das vísceras, o sorriso dela é a luz dos olhos dele, o abismo das águas ficou lá atrás e ele pensou que, sem saber como, estava ali, em unicidade perfeita, com a mais perfeita das criaturas que já conhecera. Tanto melhor, porque as próprias nuvens já haviam visto em suas formas o perfeito desenvolvimento daquela história que eles dois viviam agora, sozinhos na praia que fora construída para eles, na deserta pulsação do Cosmos que se fizera arte pura e amor de enlevo e gozo.
Pairando sobre as águas, Amor e Eternidade se fundiram num só movimento.
Fez-se a Luz. |