O elevador social do meu edifício sempre quebra nas horas inoportunas e inesperadas. Parece-me que aquela escada sem degraus padece da aptidão froidiana para perscrutar as mais íntimas e insuspeitas máculas dos pacientes que foram colhidos pela providencial rotina urbana. Não há máscara de falsidade que não possa despir; e não há chagas na alma que não possa curar.
Dizem que sua paixão pela ciência inexata que almeja desvendar os caminhos da mente, decorre do ócio do seu ofício. De tal maneira, que se entregou de corpo e alma neste projeto inglorioso de semear pétalas de alegria nos corações dos moribundos que vagueiam na face terrestre como se fossem um bando de zumbis escarlate.
Do meu lado, já não me dou conta das vezes que presenciei vizinhos distantes atarem relacionamento fecundos; e parceiros frigidos quebrarem a abstinência de longos e ininterruptos anos após uma breve e instrutiva seção de análise em grupo.
Na semana que se findou, atreveu-se a cometer o absurdo de patrocinar a união da Dona Fátima, moradora do 521; com o Capitão Junqueira, do 822. Inimigos carnais.
Ontem, em uma consulta noturna, cometeu o desatino de promover, no aconchego do divã metálico, uma noitada de sexo seguro para um casal de enamorados, que, por não disporem de local apropriado, postergavam o momento propício para transpor a barreira da adolescência e de se embriagarem nas saliências do corpo amadurecido.
No entanto, escute-me esta advertência: não o julgues libertino, pervertido ou cafajeste por propiciar a outrem momentos de felicidade. Se sua falsa moral não lhe permite admitir que gostaria que o mesmo se desse consigo, não interfira na felicidade alheia. Sorria. Liberte-se deste quadrilátero de insónias e dê um pulo lá no meu edifício.
A consulta e grátis.