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Cronicas-->Cpasula do Tempo -- 17/12/2016 - 19:15 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Sophia, nascer entre as nuvens já foi milagre; agora e somente agora se delineia sua presença, muito embora as imagens, os gestos esboçados, o sorriso que imita à mãe a natureza dela própria. Imagens hoje são tudo e, no entanto, ofereço-lhe uma cápsula do tempo que me foi oferecida sem reverências por aqueles que me trouxeram, também, das nuvens. O que ofereço seria como que um roteiro estimado, porque como todos os mapas, rotas, roteiros, planos, tudo pode mudar e, à vontade, coloque e insira neles—os mapas—O seu. Nunca acreditei muito em mapas. Eles enganam e limitam-nos ao fraco terreno onde às terras se juntam as mesquinhezes próprias da condição humana. Um Mapa é um roteiro; serve-nos em condições de obscuridade, de melancólicas viagens a países avarentos de amor e pródigos em belezas tantas que seus habitantes entediados já não mais adulam os chegados, espezinham-nos.

Deixe-me falar de minha Cápsula do Tempo.

É um costume antigo, este nosso. Enfiamos montes de objetos, cartas, notas de dinheiro, moedas, oferendas, votos, dentro de cilindros que serão abertos em séculos. Ou até nem o serão. Há os que sobrevivem e, pasme você, lá está o retrato do espanto de uma geração inteira, o dinheiro que antes movia tal mundo, a mão que significava um milagre, um pé de sapatinho de bebê, uma avó de olhar perdido nas recordações...

Minha Cápsula será diferente.

Quando você nascer, estará cercada de gente carinhosa, mas a primeira coisa que sentirá será um tapa. Releve, e chore, porque senão virá outro. E mais outro. Chore desbragadamente, então, anunciando ao mundo que tal acolhida pode ser técnica, mas, de modo algum, parece ser essencialmente carinhosa.

Acostume-se, pois, aos tapas.

Acolhida boa será no colo de sua pequena mãe! Voltará os olhos a ela, ouvindo sua voz, aquela (lembra) que ouvia como o canto de uma baleia no Oceano? Bem, você ainda não saberá nem o que é Baleia, mas saberá que veio de um Oceano. O Mar, Sophia, o Mar! O mar de calor e carinho que a cercava, o calor e os distantes ruídos, cantos de um peixe distante, sonhos de um acordo de você com o mundo vermelho que a cercava...agora, é passado.

Chore. Schopenhauer diz que o choro sentido pode ser a redenção da Alma, uma vez que venha de dentro, e não como autocomiseração; mas deixe esse filósofo de lado.

Concentre-se no calor e nas palavras indistintas; lembre-se que delas virá a progressiva luz de seu conhecimento e a lembrança do Outro Conhecimento se diluirá, mas jamais se apagará!

Daí virão os Transportes, os Grandes Movimentos. Elevar-se-á como a um morro, e estará nos braços de seu pai embevecido e depois, nos braços da avó que chora tanto, mas tanto, que é possível a volta do Mar em plena Terra, minha mocinha. Daí eu olharei você bem de perto, com o olhar de quem já conhece sua natureza, e você nem saberá que vulto turvo lhe observa, porque já a curiosidade a anima neste ponto; as palavras se cristalizarão aos poucos, num Universo crescente de conhecimento e mutação.

Passeará então pelas ruas, vendo a luz cegante de um astro mutante entre as nuvens perfeitamente cabíveis do local aonde nasceu. Verá um pássaro comendo pão na calçada! Verá uma cachorra velhinha lhe visando as perninhas já rechonchudas. Será então o Centro do Mundo, tudo girará em torno de você, planetas tonitruantes preocupados com suas cólicas, seus desejos, seus humores, seus fedores, seus perfumes e suas dores. Tudo se desvanecerá quando dormir no colo de sua mãe. Tudo. Absolutamente tudo.

Aqui começa minha cápsula, porque certamente ela lhe contará histórias. Ela lhe falará o quanto foi desejada, o quanto esperaram por sua chegada; ela lhe dirá quantas noites ela não dormiu, preocupada com seu sono ou com a dor que já prenunciava sua vinda. Mas quando você ouvir estas histórias, fixe as palavras, olhe nos lábios dela, sempre finos como os de sua avó, preste atenção nos seus dentes perfeitos e na graça de seu sorriso agora aliviado, vendo que você come a sopa com um sorriso de madame perfeita. Aí é o ponto; exija mais sopa e histórias; só aceite o tal alimento movido a trens e aviões e túneis e paspalhices. Seu pai fará caras e bocas e suas risadas inundarão suas almas de alegria e luz. Será então que você ouvirá histórias cada vez mais ricas, cheias de fantasias, de cães que ladram de noite, de miados de gatos mágicos que sorriem nas árvores. Você verá o Gato de Alice. Você conhecerá a Rainha do Gelo. Imaginará os reinos escondidos em cada objeto enclausurado em sua forma perfeita: Porquê a bola é uma Bola? Porquê meu pé tem este sapato? O que é sapato? Que jaula é essa?

Progressivamente, Sophia, seu modo de ser se adensará e você que é afeita à sabedoria andará de mãozinhas apontadas a tudo e todos. Eu serei um Elfo de barba, seu pai um Gigante, sua avó um mar de lágrimas e carinho. O Mar, Sophia, sempre o Mar! Não diga baleias, é uma palavra sensível entre os seres humanos femininos. Só se lembre dos cantos do Oceano de Antes! Sobremaneira, não se impressione com sua mãe dizendo “baleia” em frente ao espelho. Ela não o é, você o sabe.

A Cápsula! Ia me esquecendo. Por essa época, as histórias se enriquecerão e você verá nos livrinhos as imagens que mostraremos a você. As imagens, lembra? Só que as palavras herdarão o posto delas e nominarão cada imagem, cada animal, cada objeto. Você fará os links e será perfeito, até porque é de sua própria vivência trazer o Conhecimento! Lembra?

Dirá oi! Mandará tchau! Dará beijos!

Então as histórias se tornarão em outras, repetidas em mais outras que se tornarão em muitas! Você então as criará e perguntará os porquês de maneira mais profunda e não aceitará falsidades como resposta.

Daí um dia, aprenderá a ler. A ler, criando um mundo de conhecimentos que se somarão aos muitos que já teve e chorará quando for à escola e sua mãe, ou eu, ou sua avó, ou seu pai a deixarem lá.

Conhecerá amigos e amigas. Verá que os mundos não giram em torno de você, mas que você os faz girar ao seu modo. Sua professora se encantará com tais prodígios, porque todas elas se encantam com suas criaturinhas lindas. Verá seus progressos e deixará sua mãe cada vez mais embevecida.

Então será hora de você ler por si; daí começa a Cápsula! Lembro-me dos Contos de Grimm, que eu lia na casa de sua Trisavó. Eram de minha tia, tinha ilustrações maravilhosas...minha mãe, sua bisavó, deu-me a coleção completa de Monteiro Lobato. Chegava da Escola e ...direto ler as Reinações de Narizinho, o Visconde de Sabugosa, A Reforma da Natureza da Emília, as delícias de Dona Benta e Tia Anastácia... como vê, nunca esqueci, porque já era minha Cápsula atuando em seu benefício, uma vez que eu já sabia, àquela época, que você viria com o tempo. O Tempo é uma ilusão! Passa depressa demais para ser real. O que existem são momentos...E estes momentos de leitura você não deve esquecer. Jamais esquecerá, porque as histórias servem para que você crie sua História...

Você verá, com o passar dos anos, que nem tudo o que você aprenderá servirá para coisa alguma, mas que a somatória lhe servirá um dia, junto com os livros da Cápsula, a lhe fazer entrar em uma Escola Superior. Seja o que for que escolher, já estará passando pelas turbulências. Não brigue com sua mãe; elas sempre fazem o melhor, queira entender. Faz parte de sua Cápsula respeitar o que eles dizem, mesmo que obviamente chegar às quatro horas da manhã de uma festa não seja exatamente o momento para se dizer algo, apenas ouça e repense.

Mas uma vez no quarto, abra sua Cápsula e leia: Thomas Mann, Anais Nin, Charles Bukovsky, Guevara e Proust. Não esqueça de estudar o que lhe pedem.  Leia autores brasileiros: Machado de Assis, Paulo Lemisky, Leila Miccolis, Adriane Garcia, Ferreira Gullar...Bandeira, Andrade. Tudo o que puder, devore. A Cápsula do Tempo se abriu para você!

A Cápsula tem mil olhos, tem mil sonhos agora...E você tem uma carreira, e resolve partir ao mundo em busca de sua verdade. Seus pais estarão tristes com sua partida, mas saberão que Sophia procura os caminhos como eles ousaram desbravar. Terão os cabelos assim meio grisalhos e você conhecerá um camarada bem interessante e depois de idas e vindas casará com ele.

E sentirá na barriguinha um frio que denuncia o movimento. E olhará para você mesma e lembrará do tal Oceano e das Baleias. E lembrará...

--Da cápsula, vovô!!! Ôoooooo Cabeça!!!!

--Parece sua avó.

--Deixa eu ler de novo.

--De novo?

--De novo. Você não aprende!

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