Usina de Letras
Usina de Letras
65 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 62823 )
Cartas ( 21344)
Contos (13289)
Cordel (10347)
Crônicas (22569)
Discursos (3245)
Ensaios - (10542)
Erótico (13586)
Frases (51217)
Humor (20118)
Infantil (5545)
Infanto Juvenil (4875)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1380)
Poesias (141100)
Redação (3342)
Roteiro de Filme ou Novela (1065)
Teses / Monologos (2440)
Textos Jurídicos (1965)
Textos Religiosos/Sermões (6301)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->A Praça -- 28/04/2017 - 01:12 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
...Lá vou eu descendo a Praça da Sé. Como manter-me indiferente ao espetáculo indizível da ruína humana? O tal programa embelezador da cidade consegue retirar um pouco, porém não abole a miséria humana que gera a sujeira. A Catedral continua lá: De pé, uma fortaleza que um dia abrigou estudantes fugindo da ditadura militar, em plena repressão. Agora, a Catedral respira seu ar poluído por fumos escusos e pó de origem boliviana. Não se fazem mais Catedrais como antigamente e tudo lá perto passa a ideia incontornável de corrupção de costumes e um abrandamento ou, eu diria, uma indiferença do público passante ao espetáculo da loucura em diversos níveis.

Por exemplo, à minha direita, perto de uma pequena fonte, há um velho coberto de trapos, encostado a um carrinho cheio de papéis velhos, jornais, garrafas, panaria suja e cachorros em torno. Um deles me olha suspeitoso, nada tem da Baleia, mas sofre de fome a coitada. Imagine o dono, em estupor, cercado de um bafo azedo de suor, sujeira e álcool. Perto do velhote, dois meninos cheiram cola; o ar fica impregnado de um odor acre, estupefaciente. Eles nos olham com as órbitas vazias. Estão mortos.

Dostoiévski dizia: "Ora bolas, vamos vamos! Estamos todos mortos!" Estamos mesmo, mortos, só não enterrados. Estes seres que vicejam aqui, no centro da capital por onde ando, são cadáveres insepultos, pedaços de carne macilenta, nódoas de ferrugem dos dias; um lembrete de quão doente está a civilização humana! Eles são o rebotalho, o resto, a borra do mau vinho. Não têm nada, apenas a sensação de ser, sem serem nada, e de existirem, sem nunca terem existido, sequer para si e para qualquer um. São invisíveis, esmolam, pedem e imploram: Gemem.

Ninguém os escuta.

Um dos meninos cai duro, o outro chama por ele. O outro não responde. Parece um passarinho. Os dois são magrinhos, fiapos de gente, seres de outra dimensão. Eles ficam entre a Praça da Sé e a Cracolàndia. O caminho que leva ao crack passa pela Praça da Sé, recheado de folhas secas, barracas de plástico e grossos rolos de merda humana.

Alguém socorre o menino caído. Ele está morto, a menina é sua irmã, grita feito louca:

--Geninhooo!!! Geninho!!! Mainha! Minha mainha!!! Geninho!!!

Corta o coração. Os passantes passam, como manda a "normalidade"...

Geninho está morto. O velhote chora mais um pouco e puxa uma garrafa de pinga, o outro menino delira e sua irmã soluça, chamando a mãe que nunca houve para os passantes que existem para quem nunca existiu.

Piso num pedaço de bosta.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Perfil do AutorSeguidores: 4Exibido 190 vezesFale com o autor