Conversa de botequim é um saco. Tem sempre um bêbado dando em cima de uma vadia, tem sempre um outro cantando música de corno e tem aquele cheiro de urina perto do banheiro; é fatal. Parece número de circo, você assiste, coisa e tal e depois do terceiro pulo do palhaço, já percebe que o circo é mambembe e que você pagou caro o ingresso, para rir das mesmas coisas sempre. Eu não lhe disse? tudo igual.
Estou lendo aqui na coluna de jornal que se não me engano morreu por esses dias um tal de Petrov. Claro que não é brasileiro, é um russo. O camarada viu uns cinco foguetes saindo de uma base da OTAN em direção ao território russo e não deu o alarme porque achou que havia uma falha, que não podia ser verdade. Ele confiou mais em si e na impossibilidade absurda de um ataque massivo para impedir que o mundo se tornasse um inferno.
Pois é, parece número de circo. O palhaço dá voltinhas no picadeiro e a bailarina dança sobre a multidão de olhos arregalados e não, ela não cai( nunca cairá, a não ser que tenha tendências suicidas); hoje vivemos uma enorme guerra verbal, com elevados tons de voz e grosserias inimagináveis para um tal de século vinte e um. Você vê queimadas, árvores arrastadas, gente sendo varrida por ondas, ilhas desaparecendo, terremotos arrasando vilas pobres e bairros idem, você vê o tráfico obrigando uma cidade inteira a se curvar de joelhos e um governo submisso se tornar escravo de leniências e conveniências.
Me desculpem, mas é fatal que o tiro saia pela culatra, se é que latra tem cu. Desculpem-me a falta de cinismo suficiente, não dá. Eu me vejo boiando nessa massa viscosa que é a Terra e me sinto tal qual o palhaço no picadeiro vendo a bailarina se equilibrando, como há cem vezes, assustando os meninos que mascam as pipocas enluaradas. Dá-lhe, bailarina! Mas o palhaço é triste feito uma farsa, ele tem o nariz desenhado e a boca encobre um ricto amargo e sombrio.
Eu lendo o jornal sinto engulhos e uma certa náusea furibunda e tensa. Não me vejo dando tapinhas nas costas de Mister Catra e dizendo: Linda música, essa é para a história lhe homenagear! Também não me vejo engolindo essa massa imensa de baixarias de todos os lados e deixando para lá.
Não posso deixar de seguir em modo invisível e depreciativo. Quero chegar logo em casa e pegar um livro, qualquer livro, qualquer um, para fugir desse abismo de cacofonia em que se tornou nosso planeta.
Detestável o ponto a que chegamos.
Sábado dizem que o mundo acaba. Porra, e eu nem vivi ainda tudo o que queria! Tenho sessentinha,deixem-me viver menos assoberbado por esse pànico inflamável das multidões histéricas! Acabem com o Mundo, danem-se. Eu, quando ele acabar, vou estar lendo Proust, em busca de tempos perdidos há séculos!
Ademã, que hoje vou de leve.