Molemente recostado na rede, distraído, observava os pássaros ouvindo-lhes o canto.
Foi preciso um resfriado para aquietá-lo, naquele sábado ensolarado em que todos saíram para pescar.
Só assim, ele se deu conta de que possuía um pequeno pedaço do paraíso, presente daquele mar, onde os barquinhos se embalavam ao sabor das ondas. Aconchegava-se, e sonhava, naquela rede macia.
Ao seu redor, no arvoredo, canários, biquinhos- de- lacre, sanhaços, e outros que ele nem conhecia, faziam a festa, bicando os frutos... inebriando-lhe os olhos.
E o sabor da felicidade tocou-lhe o coração, em saudosas lembranças...
Onde estaria ela, naquele momento? Curtia, solitário, toda aquela magia, naquele amanhecer único... Fechou os olhos, embriagado com tanta luz, na tentativa de relembrar a doçura daquele beijo furtivo, que acontecera num impulso quase infantil, que não pudera controlar. "Néctar dos deuses..." Conseguira, naquele momento, definir esta força de expressão. Ali, na simbiose daquele beijo suave, a paixão e o desejo, flamejantes, de todos os outros que já houvera experimentado, apagaram-se por completo. Um anjo veio do céu e redimiu-o, em apenas segundos, com um roçar de lábios e o doce perfume de uma rosa... Depois, esvaiu-se, apressada, como se uma nuvem a sorvesse, naquela tarde morna de primavera.
Foi para ele, como se a vida florescesse. Tudo tomou um novo sentido...
E a sinfonia dos pássaros, saltitantes, trazia-o de volta à realidade.