A moça estava lá: suave, o nariz apontado para o sol, o olhar debruado em reflexão e refulgência. Já notaram o seu olhar de cores diversas? Quando alegre, são resplandecentes. Quando pensativa, são profundos como o mar. Quando triste, azul-cinzentos. Pensando assim, são definitivamente esmeraldas. Os três amigos a viam de longe, como sempre. Não ergueram um brinde, pois respeitavam à distância sua reflexão.
--Ela está triste?
--Possivelmente.
--Dante procurava sua Beatriz e soube-a no Céu, quando já andava com Virgílio nos círculos inferiores.
Os outros dois, intrigados, olharam-no de cima a baixo:
--Bebeste?
--Ora, direis: Posso eu ter bebido, porém não perco ainda a fé, mesmo diante do inusitado evento de improvável estrela triste estar aqui. Mesmo os anjos por vezes precisam estar a sós para refletirem sobre sua própria condição celestina. Quando o fazem, geram as centelhas de luz que nos envolvem, assim como geram a vida que nos une a todos.
--Verdade; mesmo os anjos sabem que sua luz, embora diversa, pode gerar tanto a vida como o oposto. Há então os anjos reflexivos que sabem das dores do mundo, da dor do existir e não-existir. Talvez por isso sejam anjos.
--Quer dizer que os anjos, volta e meia, pensam em sua condição?
--Acertou precisamente. Quando o fazem, olham-nos deste jeito; trememos nas bases. Pois os anjos e elas têm muito em comum: São as Beatrizes de muitos Dantes!
Precisamente.
Nós somos visitantes de um Paraíso que antes era delas; antes era o Verbo, depois veio a Terra, mas antes eram elas.
Foi delas que tiraram uma costela.
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