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Cronicas-->O Iluminador -- 15/03/2023 - 18:14 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A luz invadia a cena, seca, ressaltando as órbitas vazias de seus olhos morenos. Ela sabia rezar, sabia ressaltar suas falas, mas a luz, ah a luz, era a minha, porque eu sabia relevar os sonhos de todos do palco. Eu ouvia os passos, os gritos, Medéia e sua tragédia, Hamlet e sua tragédia, Hércules e sua tragédia, a morena e sua voz serena. Tanto faz; o que me basta dizer é que eu era, sim, o iluminador. Eu que fazia o sol, eu era a luz da lua sagrada das noites dos que vinham encontrar os amantes à sua prateada reflexão, era eu que iluminava...

Os passos dela eram de bailarina (ela bem que tentara ser, mas o pai não aprovava, de modo que foi ser atriz e desse jeito ganhava a vida) e eu ficava nas lâmpadas, por trás, na coxia, sempre na defensiva. Qualquer erro e era uma luz que traía, era um refletor que fugia, era um rosto que crispado, acusava, um lábio carnudo que grasnava; eu era tudo menos luz nessa algaravia, no fundo, sempre à meia, fazendo dos outros a minha comédia de costumes. Eu comecei cedo na profissão e fui crescendo na escuridão à medida que meu amor estiolava; percebi muito cedo que o amor é como um palco, uma peça, um sonho. O amor era ela, mas ela nunca me queria, então voava nos tablados com minha melhor revelação e suas chitas vermelhas eram como braços de uma deusa volátil, ruborizando as faces pudicas da plateia, aquela beleza toda que estonteia, mas se esconde lá no canto que ela bem tem, reservada a si mesma.

 Ela era simplesmente, bela. Eu tinha um rosto confuso, às vezes de barba, em geral de bigode, menos ainda com cavanhaque, cada semana uma ideia. Claro que ela nem me dava bola, porque dizia entredentes: “Oh, epopeia, ficamos assim!!” e saltava, num de seus maiores ritos. E eu aflito, porque às vezes ela prolongava o grito e eu temia que sua garganta não suportasse e ela explodisse num brado dolorido.

Não! Lá estava ela, recebendo os aplausos e eu, escondido, dava-lhe ares de púrpura cor, ressaltando seu perfil diáfano e puro. Seu companheiro de cena, devidamente apaixonado, sabia representar como ninguém o falso brilhante, escondendo dela que o seu amor estava atrás das pesadas cortinas que se fechavam quando ela dava seu cumprimento junto à companhia toda, as coxas telúricas envolvendo os pescoços sádicos dos interessados em tê-la.

Eu? Quem sou eu? Eu sou a luz dos olhos dela, na cena em que ela, lacrimejando, faz o beicinho que me encanta e chora enquanto Romeu se mata, atirando-se do terraço e estatelando seus ossos na ribanceira, o fosso recebendo seu corpo inchado de bebedeira e fuligem. “Oh, epopeia! Ficamos assim!” O que é o amor senão divina chama que consome os amantes sem que eles, jamais, possam resolver o enredo da trama que os dilacera? Num palco, podem ser eles os deuses da cena, na vida se desenrola um drama secreto, de tal sorte que, quando precisam, vem a salvadora luz e o facho dourado, que dá a eles a luz pálida de um futuro que não conhecem, partindo de um presente que os aquece e os alimenta.

Não fosse eu seria ela que estaria na calmaria do fundo da cena, esperando que um estalido meu a despertasse da confusa armação, e eu seria uma paixão sua que se escondera; seria eu então sua estrela-guia e ela seria minha perdição, não fosse minha companheira de cena que, na cancela, segurasse uma canção com um sustenido e eu saltaria de som em som até a queda, num estampido de um falso tiro de canhão. Oh epopeia! Então ficamos assim, um cometa que se dissolve em mansidão, no reflexo da Lua que prateia, num esgar de uma enorme sofreguidão quando ela e eu nos encontramos—dentro e sempre, na quimera da escura canção que o maestro arranca da orquestra envelhecida de tempo bom.

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