
O STF se transformou em Instituto Lula.
O Golpe que Nunca Existiu – e a Justiça que se Supera
Félix Maier
O Brasil, terra fértil em jabuticabas, agora produz uma novidade digna de exportação: o processo criminal por crimes que não aconteceram. O ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e mais sete “conspiradores de bar” respondem por nada menos que cinco crimes que, somados, podem lhes render mais de 40 anos de prisão. Seria um enredo perfeito para uma série de suspense político, não fosse o detalhe incômodo: não houve golpe, não houve armas nas ruas, não houve tanques na Esplanada dos Ministérios, não houve sequer um estagiário fascista correndo com um megafone. Muito menos a execução de um plano elaborado anos atrás por Eduardo Bolsonaro, filho do presidente: “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo”. Houve, sim, “cogitações”, “minutas” e “possibilidades” — e, pelo visto, no Brasil de hoje, isso já basta para uma condenação antecipada.
O Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal, cuja maioria dos ministros foi nomeada por governos petistas (o antigo STF tem hoje o apelido de “Instituto Lula”), tratam os acusados como inimigos a serem destruídos, integrantes de um “Núcleo Crucial”, nome que, por si só, soa como banda de rock pesado dos anos 1980. O problema é que, até onde se sabe, esse núcleo crucial não passou de um grupo de políticos e assessores que discutiam decretos, ensaiavam hipóteses de Estado de Sítio e, no máximo, produziam “minutas” que jamais saíram da gaveta. Mas, no Brasil atual, pensar alto virou sinônimo de tentativa de golpe de Estado.
Crimes que se repetem
A lista de acusações é tão criativa que merecia o Prêmio Jabuti de Literatura Jurídica:
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
- Tentativa de golpe de Estado.
- Participação em organização criminosa armada.
- Dano qualificado.
- Deterioração de patrimônio tombado.
Os dois primeiros já fazem rir: como diferenciar tentativa de golpe de Estado de tentativa de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito? É como acusar alguém, ao mesmo tempo, de homicídio tentado e tentativa de matar. Redundância pura, mas que garante manchetes mais robustas e penas duplicadas – justamente as de maior duração. E "participação em organização criminosa armada", o que isso significa? Que fizeram algum pacto com o PCC?
Já o par “dano qualificado” e “deterioração de patrimônio tombado” é outro espetáculo de duplicidade. Se alguém quebrou uma vidraça da União e, por azar, essa vidraça estava num prédio tombado, o sujeito responderá por dois crimes: um por quebrar e outro por quebrar justamente onde não devia. Seria cômico, se não fosse trágico.
O presidente ausente
Outro detalhe pitoresco: quando houve a famosa depredação dos palácios dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro de 2023, Bolsonaro estava em … Orlando. Nem WhatsApp se achou mandando instruções do tipo: “Podem quebrar tudo aí, que eu pago o prejuízo taoquêi?” Nada. Nenhuma prova de comando, estímulo ou pagamento de vandalismo. Mas, para os guardiões da democracia tropical, a ausência do acusado é irrelevante — afinal, um verdadeiro conspirador governa à distância, com poderes telepáticos dignos de filme da Marvel.
O surrealismo jurídico
Tudo isso lembra a seguinte parábola urbana: imaginem um sujeito que abaixa as calças em plena calçada e defeca no passeio público. Pela lógica da acusação que impera no Instituto Lula, esse infeliz responderia a dois crimes distintos: um por “abaixar as calças” e outro por “cagar em público”. Ora, se não tivesse baixado as calças, o cocô teria ficado contido no tecido; se não tivesse defecado, o ato de baixar as calças seria apenas um ato obsceno. O fato punível, no fim das contas, é um só, pois não se consegue cagar em público sem abaixar as calças. Mas não: na “versão criativa” de nosso Ministério Público e de auxiliares de certos ministros do antigo STF, cada movimento muscular merece uma pena separada.
Conclusão
Vivemos, portanto, um momento revolucionário do direito penal brasileiro: a inauguração do crime de “cogitação criminosa”. Não é mais necessário executar o ato, nem tentar executá-lo. Basta rascunhar, conversar, pensar em voz alta. O Brasil finalmente se alinha à ficção científica, criminalizando não as ações, mas os pensamentos. Orwell ficaria orgulhoso: estamos aperfeiçoando o Ministério da Verdade com toga, fardão e diárias em Brasília.
No dia em que esse processo chegar ao fim, talvez descubramos que a verdadeira abolição do Estado Democrático de Direito não foi a sonhada por um punhado de políticos ingênuos, mas a que se pratica sorrateiramente em nome da sua defesa.
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