Quarta-feira, um anjo dos cabelos cor de cobre, brincava pelo calçadão da rua do Comércio, segurando em uma das pequeninas mãos, um saco de acerola.
O anjo sempre estava por ali, ajudando sua mãe que vende frutas num carro de madeira, próximo à s lojas Arapuã.
De repente, alguma coisa, ou um freguês chamou a atenção dos cabelinhos acobreados, na calçada do outro lado. E o pequeno anjo tentou atravessar a rua, com os cachinhos dos cabelos bailando ao vento, quando um dos apocalípticos motoristas de hoje, dirigindo um coletivo, numa velocidade inadequada para o local, atropelou o pequeno anjo barroco, que ficou por uma hora, deitadinho, inerte sobre o asfalto, enquanto o sol, derramava como lágrimas, filetes de luz, que resplandeciam nos fios de cobre da pequena cabeça que tinha agora, como travesseiro, o asfalto onde tantas vezes pisara.
Widja! Era esse o seu nome. Um nome de rainha. E foi por um certo tempo, a rainha daquele pequeno Reino! E oferecia aos seus súditos, em troca de poucas moedas, saquinhos de acerolas. Foi mais generosa do que Maria Antonieta, que ironicamente mandou os pobres, na falta do pão, comer brioches.
Não! A rainha Widja, era um anjo dos cabelos em fios de cobre, que com apenas cinco anos, já trabalhava, sem nem ter consciência disso. Pensava, acho eu, que todos os dias ia para a rua do Comércio, vender frutas, enquanto pulava, sorria e rodopiava no calçadão, com um sorriso doce, que só os anjos sabem ter, pensando que tudo aquilo era uma brincadeira, que estava em um reino encantado! E ignorando sua pobreza, ajudava a mãe na venda das acerolas e se sentia feliz, com o burburinho do centro comercial. Seu reino tinha Bancos, Lojas de eletrodomésticos o Cinema São Luiz (que provavelmente, nunca chegou a entrar naquele mundo de sonhos!).
Que fez a rainha Widja, foi nos mostrar, que as ruas estão repletas de pequenos anjos abandonados, esperando que alguém erga a mão e lhes faça um carinho, que estenda a mão e lhes dê uma oportunidade de serem grandiosos nesta vida.
Mas, um homem com muita pressa, para cumprir os horários estabelecidos, não diminuiu a velocidade do coletivo, para que o anjo passasse para o outro lado da rua.
E o anjo Widja, ficou estendido sobre o asfalto, abatido como um pequeno passarinho. Com sua pele de alabastro, contrastando com o betume, era uma figura etérea, ante os olhares dos curiosos. Até que um soldado se aproximou, ajoelhou-se como diante de uma verdadeira rainha, e com um pedaço de tecido, devagarzinho, cobriu o pequeno corpo sem vida, como quem coloca um manto sobre os ombros de uma majestade.
E em todos nós ficou uma grande dor. A dor de saber que brutalmente, mais um pequeno ser tinha sido atropelado. De não mais ver a pequena Widja correndo no calçadão, vendendo suas acerolas.
A cena do anjo Widja sobre o asfalto espelhando os raios do sol em seus cabelos, que foi estampada nos jornais do dia seguinte, nos chocou profundamente.
Mas deixou uma certeza: os anjos existem!