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Cronicas-->Sequestro Relàmpago -- 16/11/2001 - 11:21 (Gil Capanema) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Sequestro Relàmpago


O sujeito entrou na delegacia trêmulo. Camisa rasgada, calça desabotoada. Entrou e sentou no banco bem em frente à sala do delegado de plantão. Ficou parado. Olhos perdidos no infinito. Ainda trêmulo.
O delegado ficou olhando para aquela figura e pensou que seria melhor deixar para o próximo plantonista atendê-lo, afinal só faltava uma hora para encerrar seu plantão. Já havia decidido fazer isto a título de cortesia profissional com seu substituto quando o homem se levantou. Caminhou lentamente em direção à mesa do delegado. O que chamava atenção é que o sujeito tinha um brilho nos olhos e um sorriso nos lábios de quem acabou de ser iluminado por um força superior.
Caminhou assim e parou bem em frente à mesa, abriu os braços, olhou para o teto e falou emocionado: "Deus fui sequestrado!". Em seguida jogou o corpo na cadeira e ficou olhando fixo para o nada.
O delegado percebeu que podia ser sério e o cara poderia estar em choque ou coisa parecida. Mandou buscar um copo d´água e começou a interrogá-lo para entender o que havia acontecido.
"Qual o seu nome", perguntou.
"Carlos Siqueira, mas todo mundo me chama de Siqueira"
"Então, Sr. Siqueira o senhor foi sequestrado?"
"Fui doutor. Sequestro relàmpago. Foi tudo muito rápido"
"O Senhor está machucado?". O delegado falava e continuava analisando aquela figura. Descabelado, seminu, e com uma estranha expressão de satisfação no rosto.
"Não, acho que não, está tudo bem"
"E estas manchas vermelhas na camisa?". O delegado notou que havia várias manchas no colarinho e no peito da vítima.
O Siqueira olhou para as manchas, passou a mão, levou até o nariz, cheirou com um ar saudoso e decretou: "É baton. Lancóme. Primeiríssima linha."
"Como é que é?"
"É doutor ela usava baton da Lancóme. Dezoito dólares no free-shop. Já comprei para minha esposa"
"Não estou entendendo? O senhor sofreu um sequestro relàmpago. De onde vem o baton?"
"Do sequestro. Ela usava baton"
"O senhor foi assaltado por uma mulher?". O delegado já começava a se arrepender da hora em que começou a dar atenção para o Siqueira.
"Sequestrado. Não fui assaltado."
"Dá na mesma. A meliante se valeu de um sequestro para assaltá-lo" Explicou didaticamente.
"Do que o senhor chamou ela?"
"Como assim?"
"O senhor deu um nome para ela..."
"Ah! Eu disse que a meliante que te assaltou"
"Doutor ela não me assaltou. Ela me sequestrou!!!" agora o Siqueira estava didático e cínico.
"Tá bom. Esquece e a meliante?"
"Não chama de meliante não!!!!! O senhor nem conhece a moça!´
"Como era a moça, então?" Irritou-se o delegado.
"Uma princesa. Linda. Loira, alta, seios médios, coxas maravilhosas. Uma boca carnuda com baton vermelho."
O delegado interrompeu: "Como é!?"
"Baton vermelho da Lancóme?!"
"Não Siqueira!!!!! Tá maluco. Que estória é esta de princesa. A vagabunda te assaltou!" Nesta hora o delegado já estava tomando a água do Siqueira e acendendo o terceiro cigarro. Precisava manter as mãos ocupadas para não correr o risco de dar no Siqueira.
"Sabe Doutor, eu não quero parecer inconveniente mas ela não me assaltou não. Ela me sequestrou. Além do mais não acho politicamente correto o senhor rotular a moça de vagabunda. Pode parecer discriminação da sua parte. E mais, o senhor é um servidor público, tem que tratar todos com respeito."
"Siqueira, presta atenção. Se você começar de novo com a estória que ela não te assaltou eu juro que te boto no xadrez e você vai contar tuas mazelas para um bando de degenerados que estão lá dentro. Fui claro?!"
"Violência policial ainda existe..." Falou baixinho o Siqueira.
"Eu ouvi alguma coisa Siqueira!?"
"Não, não senhor. Pode ficar tranquilo não corrijo mais o senhor. Mas vagabunda ela não era. Usava Lancóme doutor. Isto não é para qualquer uma."
"Siqueira, deixa de palhaçada. Que conversa de princesa é esta!?"
"Vou explicar. Eu saí do escritório por volta das sete horas, como de costume. Sabe doutor, minha vida não é lá muito emocionante. Na verdade, é só rotina. A última emoção que tive foi quando fiz um test-drive de uma BMW na concessionária que o meu cunhado trabalha. O senhor deve ter uma vida emocionante, não tem?"
"Veja Siqueira, a lei não é brincadeira. Não estou aqui pela emoção. Na verdade, estou aqui pois tenho um dever... Que merda Siqueira!!!!! Papo de boiola! Não estou aqui para lhe contar minha vida. Isto aqui não é mesa de boteco... Desembucha cacete!!!!" O delegado já estava visivelmente irritado o que chamou a atenção de outras pessoas na delegacia e, lentamente, uma pequena rodinha de curiosos foi se formando na porta da sala.
"Desculpa doutor... Só estou querendo descontrair..."
"Descontrair o ca......." Quando ia completar a palavra olhou para a porta, viu a pequenina multidão, e corrigiu "Agradeço senhor Siqueira mas, por gentileza, continuemos com o seu depoimento"
"Então. Estava parado no semáforo da Brigadeiro Faria Lima com a Rebouças. De repente ouvi umas batidinhas no vidro do passageiro. Quando olhei lá estava ela. Um sorriso lindo. Boca carnuda. Dentes perfeitos. Ela fez sinal para que eu abaixasse o vidro. Não resisti e abaixei o vidro. Como num passe de mágica ela destravou a porta e entrou no carro. Olhou para mim e disse: Toca para o shopping Iguatemi e nem pense em reclamar que não vai ter vaga no estacionamento"
"Ela te levou para o shopping? Como fez para esconder a arma?"
"Não tinha arma não!?"
"Sem arma!? Como você não reagiu? Era só acertar a vagabunda na cara!"
"Doutor, assim o senhor me deixa chateado. O senhor chamou ela de vagabunda de novo. A princesa tinha nome!"
"Tá bom Siqueira. Qual o nome?" O delegado achou que era melhor contemporizar. O cara estava em choque.
"Pa-o-la" O Siqueira falou assim mesmo. Devagar. Soletrando o nome e sorrindo.
"Que lindo!!!!!! Então o que a Pa-o-la fez?"
"Ela me explicou que estavam me observando faz tempo e havia pessoas, naquele momento, vigiando minha família e que embora ela não estivesse armada se eu não colaborasse algo poderia acontecer a eles. Eu disse que tudo bem. Que faria tudo que ela quisesse mas que não machucasse a patroa e as crianças"
"Então..."
"Ela me olhou nos olhos e disse que era ridícula esta forma machista de chamar a esposa "patroa". E disse que estava na hora de eu aprender a tratar uma mulher"
"Ai a violência começou?" O delegado estava começando a se interessar pela conversa.
"Nós chegamos no shopping e demorei uns quinze minutos para conseguir estacionar. Não me importei pois todo mundo ficou olhando para o carro. Ela chamava muito a atenção"
"Estacionou, e aí?"
"Ela disse para eu descer. Mas falou que não era para parecer que estava louco para ir ao banheiro. Descer sem pressa, como um cavalheiro. Explicou que eu devia dar a volta por trás do carro e abrir a porta para que ela descesse. Eu fiz tudo como ela mandou. Interessante..."
"Interessante o que???" O delegado estava cada vez mais impaciente e curioso.
"Fazia tempo que não fazia isto. Havia me esquecido como um detalhe deste pode ser importante no jogo da conquista e sedução que envolve macho e fêmea da espécie. Acho que..."
O delegado interrompeu o Siqueira bruscamente.
"Siqueira, dispensamos suas idéias filosóficas e suas interpretações. Vamos aos fatos" Pensou que o cara era cheio de boiolices.
"Entramos no shopping e começamos a passear de mãos dadas. A primeira loja que entramos foi uma de sapatos. Sabe ela experimentou uns vinte sapatos. Antes de entrar avisou para eu demonstrar paciência e boa vontade. Que se eu não gostasse do sapato, quando ela pedisse minha opinião era para ser honesto mas gentil. Disse que minha família correria enorme perigo se eu fizesse cara de nojo ou finjisse vomitar quando não gostasse de algo."
"Sei... passeando no shopping? Você deve estar de sacanagem comigo."
"Sacanagem não doutor. É verdade. Ela até levou uma sandália muito bonita. Embora eu tivesse achado que a cor não combinava muito com o estilo dela."
"Siqueira, presta atenção, se isto for uma brincadeira de mau gosto eu juro que te ponho em cana. Fui claro?"
"Clarissimo doutor. Depois entramos em uma loja de lingerie. Ela me disse que nestas lojas geralmente os homens ficam com cara de bundão e explicou que isto ocorre pelo fato de nós nunca prestarmos realmente atenção em um lingerie enquanto ele esta no corpo da mulher. Quando vemos só os lingeries é que descobrimos que eles são fabricados e não nasceram com elas. O que me espantou é que ela me mostrou um corpete preto maravilhoso que ela decidiu levar, mas não embrulhou. Sai já vestiva com ele."
"Ela coagiu você a pagar?"
"Não doutor, antes de entrar na loja ela pediu para eu pagasse, pois seria mais elegante. Achei que como um cavalheiro seria de bom tom presenteá-la."
"Que singelo...lingerie...cavalheirismo...e a meliante só te explorando!"
"Doutor já pedi para o senhor não chamar a Paola de meliante, não pedi!?"
Neste momento, um escrivão que estava junto à pequena multidão na porta se solidarizou com o Siqueira e disse que ele tinha razão. Já havia feito o pedido para o delegado.
O delegado olhou bem para o sujeito: "Não me lembro de ter pedido a sua opinião. Além do que isto é um depoimento não é uma convenção de desocupados e, virando-se pacientemente para o Siqueira falou:
"Ok. Não uso mais o termo meliante" Olhou para o relógio. Faltava 5 minutos para acabar o plantão e, percebendo que a conversa ia longe, resolveu afrouxar a gravar, reclinar a cadeira e ouvir o caso do Siqueira"
"Depois nós fomos jantar. Um restaurante de massas. Muito bom por sinal. Eu particularmente prefiro carne... Doutor o senhor gosta mais de carne ou de massa?"
"Carne. Presunto mais especificamente!"
"O senhor me parece tenso. Tenho um amigo que é médico homeopata e tem uns comprimidos que podem..."
"Não! Não! Não! Siqueira, eu não preciso de comprimido nenhum. Preciso que você termine logo esta estória e aí vou relaxar tomando uma cerveja"
"Prefiro chopp... Por sinal, é estranho que uma bebida tão popular como a cerveja venha perdendo espaço para o chopp que, na verdade, é..."
"Mais uma palavra e chamo o carcereiro. Termina a estória!!!!!!!!!!!!!"
"Bem legal o lugar. Escolhemos uma mesa. Fui na frente e sentei. Ela ficou de pé ao lado da cadeira dela me fulminando com os olhos. Falou de forma calma mas dura que eu era um grande bronco. Que não se senta sem puxar a cadeira da mulher. Que para eu ter casado só se tivesse engravidado minha noiva pois fazia tempo não via alguém tão sem tato para tratar uma mulher"
"Aí você reagiu?"
"Mexeu com os meus brios doutor. Sou calmo mas não levo desaforo para casa. Levantei. Cheguei bem perto dela. Olhei firme nos seus olhos e...
"O que você fez?"
"Puxei a cadeira e ainda tasquei um - Desculpe amor. Acho que me distraí"
"Lamentável"
"Não. Nesta hora ela percebeu minha sinceridade e abriu um sorriso lindo. Jantamos super bem. E aprendi, quando ela voltou do banheiro eu levantei e puxei a cadeira para ela novamente. Fiz questão de pagar a conta, uma mulher destas merece ser bem tratada"
"Esta meli... Esta pessoa lhe subtraiu algum objeto de valor?"
"Meu coracão!!!!!!´ O Siqueira falou com tanta sinceridade que, além da moça do café que estava na porta com olhar de carinho, todo o pessoal se comoveu. O próprio delegado pensou que, por um momento, o Siqueira estava rememorando um grande encontro.
"Certo. Isto é muito tocante mas se ela não lhe roubou nada e foi só isso você pode até dar queixa por rapto ou cárcere privado ou constrangimento... sei lá... O que vai ser????"
A multidão já estava se dispersando quando o Siqueira falou: "Mas não acabou aí. O melhor começou ai!!!"
A multidão, que já não era tão pequena, voltou. Até uma senhora gorda que estava impaciente esperando para registrar ocorrência de violência por parte do marido se interessou pelo que vinha.
"Sabe doutor, eu deixei o carro na garagem superior. Quando nós chegamos já havia poucos carros. Fomos caminhado em silêncio e de mãos dadas até o carro. Eu lembrei de abri a porta para ela. Quando entrei não acreditei no que vi...Doutor tem um cafézinho?"
"Claudete um café para o meu amigo aqui..."
A Claudete, que já estava parada na porta achando a estória linda, disse que não ia dar. Que pegar cafézinho agora era como ir ao banheiro na última parte do último capítulo da novela das oito. O delegado compreendeu.
"Segura o café. Quando a gente acabar aqui te pago uma cerveja, quer dizer, chopp" O delegado já estava começando a gostar do Siqueira e estava cada vez mais curioso.
O Siqueira fechou os olhos e começou a falar com um sorriso nos lábios:
"O vestido dela era de zíper de cima em baixo. Quando entrei ela já havia aberto todo o zíper. Estava só com o corpete preto. Linda. Os seios perfeitos eram delicadamente amparados pela meia-taça do sutiã. As pernas maravilhosas eram moldadas pela lateral cavado do corpete. Ela me abraçou como uma louca e disse que agora sim era a hora de ser cafajeste..."
"Ela te violentou!!!????"
"Até a alma. Nos amamos loucamente. Experimentamos de tudo em apenas 30 minutos. Não vimos mais nada. Atingimos o prazer juntos de forma maravilhosa. Olho no olho. Mãos entrelaçadas. Uma comunhão de corpo e alma."
Todos ficaram calados. A Claudete deu um suspiro. A mulher gorda que ia dar queixa do marido começou a chorar. O silêncio foi cortado quando o escrivão solidário ao Siqueira há alguns minutos gritou: "Dá-lhe Siqueira!!!!!" e começou a bater palmas. Todos o acompanharam até o delegado. A comoção geral levou alguns minutos até que o delegado botasse orgem no recinto. Acendeu mais um cigarro e falou para o Siqueira como se fala com um amigo após o relato de uma grande aventura.
"Olha Siqueira. Você me desculpa se fui um pouco intolerante até grosso com você. Nesta profissão a gente vai ficando duro com tudo. Acho que você tem uma aventura e tanto para contar. Não sei bem o que você quer fazer sob o ponto de vista criminal. Mas não sei isto foi um crime"
Neste momento o Fonseca foi incisivo: "Quero um retrato falado. Temos que localizar esta pessoa o mais rápido possível."
"Mas Siqueira, você teve uma aventura maravilhosa. Vários homens gostariam de estar no seu lugar. Esquece isto tudo agora. Para quê caçar a mulher?"
O Siqueira ficou olhando para o delegado. De repente começou a soluçar e soluçar. Alguns segundos e estava chorando copiosamente. As coisas que se conseguiu ouvir por entre suas mãos que lhe cobriam o rosto foram:
"A mulher de minha vida... Nem o telefone ela deixou..."

Gil Capanema








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