A PRIMEIRA NAMORADA
" A gente começa a amar / Por simples curiosidade, / Por ter lido num olhar / a sombra de uma possibilidade. " ( Paul Géraldy)
DENIS CAVALCANTE
A estação é o inverno, mas o frio não chega a meter medo, pelo menos enquanto em movimento. Caminho tranquilo pela arborizada e bucólica Marques de Olinda, rua em que vivi toda uma vida. Revejo os amigos: o espanhol Manolo, o serelepe Gustavo, a sorridente e sempre jovial amiga da Dol, Maria Helena e tantos outros mais. Atravesso a rua exatamente em frente onde outrora fora o Colégio São Fernando, lugar em que anos a fio estudei.
Veio-me á mente os momentos felizes que passei naquele local. A sala de aula tinha quadro negro, sim senhor: daqueles que quando o giz riscava a pedra, arrepiava até os cabelos da sola do pé. As carteiras eram duplas e tinham uma tampa onde colocávamos nossos livros e cadernos. A caneta era a indefectível tinteiro; os mais abonados usavam a Parker 51, e nós a velha conhecida e não tão confiável, Sheaffers. E foi por causa de uma defeituosa caneta, que acabei conhecendo a minha primeira namorada.
Mariana ( era esse seu nome ) sentava-se á minha frente, era uma menina bonita, pela alva, saia plissada, blusa sempre engomada, cabelos compridos castanhos claros quase louros, geralmente usava-os em rabo de cavalo, mas eu gostava mesmo era quando ela vinha de Maria Chiquinha, explico: porque deixava a descoberto sua nuca e as penugens a mostra. Foi isso; encantei-me pelos cabelos de sua nuca: - alguém pode acreditar nisso?
O começo do namoro foi antecipado por uma "espirrada" involuntária da caneta ( bendita tinteiro! ) em minha camisa. Preocupada passou o mato borrão, o que piorou mais ainda a mancha que se alastrava como sangue azul pelo tecido. Encabulada pediu mil desculpas e depois que soou a "campa" do recreio, puxou-me pelo braço e lá fomos nós ao bebedouro tentar amenizar o estrago.
Suas mãos macias e molhadas, esforçavam-se ao máximo para limpar minha surrealista camisa, tudo em vão, a mancha jamais sairia. Vez em quando nossos olhares se cruzavam, nossas mãos se tocavam, ríamos por qualquer motivo, trocamos um beijo suave e infantil: ali mesmo naquele momento, começamos a namorar.
Que bom relembrar os momentos felizes que passamos, as idas as matinês do cine São Luis, onde assistimos de mãos dadas, Menino de Engenho, sei lá quantas vezes, só pra ver a cena do beijo de duas crianças como nós; as fugidas relàmpago até a loja da Sears, para conhecer a novidade do momento, a escada rolante, ou tomar na sorveteria da esquina um milke-shake espumante, bigodes brancos na boca, cada qual com seu canudinho a sorver o manjar dos deuses, olhos sempre nos olhos.
Ou então a tarde inesquecível que passamos, quando o Colégio cancelou as aulas pela morte do Kennedy. Atravessamos as pistas, pela passagem subterrànea da movimentada Praia de Botafogo, e fomos a pé até a Urca, no caminho tínhamos a disposição, três cartões postais a escolha: o Corcovado, Pão de Açúcar e a baía de Guanabara, nós na época nem sabíamos quão felizes éramos; e que aquele seria nosso primeiro e único verão.
Sentamos num banquinho na beira da Praia Vermelha, as ondas quebravam enquanto fazíamos juras de amor eterno, trocávamos beijos, abraços mil. Escrevi a canivete a data ( 22/11/1963 ), nossos nomes dentro de um coração no tronco rugoso de uma amendoeira centenária na praia. Podem crer: foi um dos dias mais felizes da minha vida!
Só sei que como começou, acabou. No último dia de aula ela me deu a fatídica notícia: - Papai foi transferido para Brasília, vou me embora amanhã. Choramos abraçados, rosto no ombro, ombro no rosto, éramos uma oceano, um toró de lágrimas. Não sei por quanto tempo ficamos ali abraçados soluçando.
Ela repetia para me tranquilizar: - Nas férias de julho eu volto, não fica assim, vou te escrever... nunca mais a vi.
Ficaram as lembranças da tarde inesquecível que passamos na praia, do escurinho do cinema, da juras de amor, dos beijos roubados, dos olhares trocados, das penugens da nuca, dos cabelos sedosos, da pele macia, dos dedos de fada, da nossa árvore secreta, da súbita partida e da última lágrima.
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