Tenho repentinamente afetos absurdos. Quando vou a cidade, `as vezes, sou excessivamente sensível e pareço espreitar tudo na minha distração, tanto quanto sei que há quem me observe. Tudo é frágil e se equilibra por um tico de nada.
Hoje foi uma negrinha que tirou-me do sério. Devia ter, no máximo, quatorze anos. Suja mas bonita, camiseta cumprida e short curto. Talvez mendiga.
Senti coisas, ímpetos. Amor até, sensualidade. Necessidade de protegê-la. Beijá-la, sei lá.
Por que ela tem que estar tão pobre e tão largada? Ela poderia ser minha filha, mulher, amante. E por que não poderia? Porque está suja.
Pensei na vida decente que talvez ela nunca terá nessa vida, senão por misericódia de Deus, porque nós ,seres humanos, armamos sistemas e subsistemas talvez para protegermo-nos dos afetos descontrolados. Ou será os sistemas e subsistemas que causam os afetos descontrolados?
O fato é que essa pretinha mocinha bonita, tão linda quanto suja, causou-me ànsias e revoltas. Acho que dentro dos sistemas e subsistemas dos sistemas, já que temos sempre que salvaguardar nosso quinhão na vida (ainda não aprendemos a dividir), faz-nos deparar com gente assim: bonita e suja.
Mas senti riquezas naquela menina. Ela despertou-me amor profundo por milhões de mocinhas como ela, negras, sensuais e belas, espalhadas pelas favelas e senzalas de pobreza que damos por aí ou deixamos faltar, para aquelas e todos mais que somos demasiados incompetentes para amar.
Eu confesso que essa tarde eu daria para ela todo meu amor e posses, se tivesse.