PODER - UMA HISTÓRIA SUíNA
EDMILSON SANCHES
(esanches@jupiter.com.br)
(Baseado em uma fábula anónima)
Era uma vez um porco-espinho enorme. Seus pelos hirtos, como em todo animal de sua espécie, haviam se transformado em grandes hastes pontiagudas, que nem flechas. O nome desse bicho era PODER. Na verdade, não era um nome, era um siglónimo, um nome vindo de uma sigla: PODER queria dizer POrco De Espinhos Rígidos.
Por ser grande, gigantesco, o Poder era muito procurado pelos pequenos porcos-espinhos. Todos estes tinham "n" motivos para estar junto do Poder. Alegavam que, de dia, fazia sol forte, por isso corriam para a sombra do Poder. À noite, era o frio, e todos queriam permanecer próximo do Poder, sentir o calor do Poder. Em ambas as situações, bebiam do que escorria e comiam do que sobrava do Poder.
Foi aí que os porcos pequenos começaram a perceber uma outra face -- cruel -- do Poder. O Poder queria ser abraçado, mas fingia abraçar. Queria ser alimentado, quando parecia alimentar. Fingia proteger, mas queria ser protegido, preservado.
Outra lição, dolorosa: os que eram porcos miúdos não deviam chegar muito perto do Poder, pois seus grandes espinhos acicatavam, feriam, maltratavam. O Poder deixava que criassem a fantasia da proximidade, a ilusão da sombra, para, no momento certo, ferroar, aguilhoar. Devia-se manter uma distància prudente do Poder.
Magoados, os porcos-espinhos menores foram se afastando do Poder. Tentariam, e poderiam, viver melhor sem suas falsas proteção e benesses. O exemplo disso veio quando, um dia, encontraram um porquinho, sem espinhos, nutrido, aparência feliz, e que não ligava para o Poder.
Perguntaram-lhe sobre a receita de sua vida. O porquinho sem espinho respondeu que se vacinara contra o Poder e se alimentava não de sobras de mau odor, mas de obras de valor, e estas, além de alimentá-lo em condições normais, tinham também a propriedade de criar uma reserva interior, uma espécie de gordura (como nos camelos), que funcionava como proteção em época de frio e como depósito de nutrientes, quando houvesse escassez de alimento.
Portanto, resumiu, não havia segredo, mas consciência: -- em relação ao Poder, devia-se preservar uma certa distància; poder-se-ia, até, estar junto a ele, mas não se misturar e querer ser uma só e mesma coisa. Por fim, mas não menos importante, devia-se criar um valor dentro de si e alimentar-se dele.
Revoltados com a forma como vinham sendo tratados pelo Poder e fortalecidos pelas palavras do porquinho sem espinho, os porcos-espinhos desafiaram o grande Poder e, unindo-se em numerosas varas, venceram-no e o transformaram em comida, repartida irmãmente entre todos.