Os homens mudaram ou a cidade mudou. Quem já nasceu numa cidade miúda - que lembra presépio mal construído - certamente espera que nada nela mude.
Mas, ao contrário, com o passar dos anos, os homens mudam e, insatisfeitos, mudam a cidade.
Minha cidade não é mais a mesma: as ruas se alargaram, as luzes ficaram mais claras, os cidadãos passaram a matar mais, o número de roubos aumentou, a Càmara dos Vereadores passou a ser mais corrupta; trocaram os bancos da pracinha,cortaram árvores, ergueram prédios monstruosos, aquietaram-se os velhos, e as crianças não tem mais onde brincar.
Num gesto extremo de modernidade já não entregam leite em latões como antigamente, os jornais são atirados a minha porta, as lavadeiras, de trouxas à cabeça, esmoureceram-se pelos caminhos do novo tempo.
E vieram os meios de comunicação mais aprimorados pois a gente sabe na hora quem foi assassinado. Eles só não contam o verdadeiro motivo da tragédia, isto a gente fica sabendo nos botecos, entre um gole e outro, eles sabem de toda vida passional do morto e do assasino. Ou tem mulher no meio ou tem mais mulher no meio.
Tóxicos, vá lá. Há uma montoeira deles. Os mais pobres a polícia prende. Os ricos logo estão nas ruas de novo.
Minha cidade mudou e me levou junto. E com isso, meus sonhos também foram sepultados. Até a dona da zona morreu. Morreu velha. Seu enterro foi acompanhado somente por alguns políticos da região.
E assim foi; o tempo passou, a criança se foi, a terra parece que rodou e levou a metade dos amigos.
É como alguém disesse: "A metade prá cá" "outra metade prá lá". Os que não tinham que morrer, morreram. Os que tinham que morrer estão bem vivos.
Sentei no banco da praça e meditei comigo mesmo: que faz um velho de 90 anos aqui, vivo da silva, pensando no passado e ainda procurando sexo de palpar?
Mas só olha pra mim gente tão velha como eu.Acho que virei mendigo na minha própria cidade: não há mais ninguém para cumprimentar nem falar. Ah! Os mendigos sim. Estes são bom de papo.
E cheguei a triste conclusão que um século se passou e a vida continuou sem muita coisa prá dizer. Nem desmoriado fiquei.
Triste sina da cidade.Virei bucha de canhão nesta praça de soldados, sem tiros,sem guerras. Um homem como o vento, que vai e roça o tempo e suas medidas. Pela lógica, não deveria ser assim. Todo homem devia morrer antes de conhecer o outro lado da vida que é a morte em vida.