Naquele tempo eu morava no sítio e estudava numa escolinha rural a cerca de cinco quilometros de minha casa. Time? Eu não tinha! Na verdade não entendia nada de futebol e ainda assim detestava este esporte que atrapalhava a programação televisiva; umas das poucas opções de lazer que eu tinha, vivendo a cerca de catorze quilometros de qualquer coisa.
A maioria dos estudantes na escolinha eram descendentes de italianos (eu mesmo era um deles) de forma que o Palmeiras reinava absoluta na preferência da molecada; molecada essa que por sinal, adorava me bater e tirar-me as bolinhas de gude e figurinhas.
Eu apanhava quase todos os dias, mesmo com a intervenção das professoras que tentavam me defender, mas só complicavam ainda mais minha situação com a turma.
Um dia surgiu na rodinha o assunto "futebol" e eu, no meio de todos aqueles palmeirenses declarei em alto e bom som que era corintiano. A declaração rendeu-me alguns cascudos, mas deu-me, pela primeira vez, algo que aqueles cretinos não podiam tirar, pois time não era como as bolinhas de gude e figurinhas que eles tiravam-me a torto e direito. O Corinthians (pelo menos em tese) estava em meu coração e de lá não haveriam como tira-lo com tapas. É certo que por um certo tempo tentaram, mas mesmo apanhando eu não deixei de afirmar que era corintiano, pois assim, apesar de apanhar eu não me sentia tão atingido como das outras vezes, quando além da dor eu tinha o prejuízo material que eram minhas bolinhas de gude e minhas figurinhas.
Quando saí da escola (parei na quarta série) continuei sendo corintiano, apesar de não entender nada de futebol e até detesta-lo.
Por volta dos trinta anos, inexplicavelmente passei a gostar do esporte e até tornei um corintiano quase que doente e hoje, claro que sem grandes exageros, acompanho os jogos do timão e vibro muitos com suas vitórias, especialmente as que são em cima do Palmeiras, pois vejo-me devolvendo cada tapa recebido daqueles cretinos que tanto me surraram. É certo que, por outro lado, quando o Palmeiras leva a melhor eu sinto novamente os tapas deles e vejo-me privado de minhas bolinhas de gude e figurinhas "Cavalo de Aço", mas tudo bem. Perder também faz parte do jogo, tanto no campo como na vida e na verdade são as derrotas que dão mais valor à s vitórias, apesar de doerem tanto.