Nunca mais ela leu horóscopo. Nem entregou a mão à cigana alguma. As marcas da vida, conhecia de cor. Nas mãos lisas, de linhas retilíneas, nenhuma emoção, nenhuma dor ou alegria nova. Parecia que tudo já estava esquadrinhado pela sorte de forma tão definida que não havia lugar pra suspiros e ais. O porto, o cais, o ancoradouro, fechado a sete chaves, não permitia sequer entrever o marulhar de afetos novos ou a presença de esperanças repentinas .
A vida era assim todo dia, tudo igual, sem quê nem pra quê. Como se o acaso não existissse nunca, ela colocara o Santo António na gaveta, com muita raiva, de cabeça pra baixo. E foi vivendo sua vidinha pachorrenta, apegando-se a coisas do passado. que nem sempre é bom
a gente conservar. O pinguim em cima da geladeira fora herança da mãe, dos tempos em que morava em Olaria, o anel de pedra grande, vermelhinha vermelhinha, fora encontrado num parque de diversões em Inhaúma. E tinha mais coisas que não dava nem emprestava de jeito nenhum _ a pulseira de balangandãs então, nem pensar. Esta sim, dava sorte e muita sorte. Era presente do último namorado.
Naquele dia, botou o anelão no dedo, enfiou a pulseira no braço e resolveu ir à luta. Pensou no namorado perdido, nos tempos em que dançava lambada de saiinha rodada e sapato alto, na foto de lambe-lambe guardada na carteira, em pose de artista de televisão e foi lembrando de novo da cigana que lhe falou de um re-encontro de amor num parque de diversões.
Era domingo - melhor dia não tinha pra buscar a sorte. Da estação de Olaria avistou a multidão reunida e avançou, sempre em frente sem olhar pra trás. No caminho, seus olhos entreviram o medalhão exposto na camisa de listras verdes, o andar gingado de um passo familiar.
E aí, sem medo nem delongas, caminhou junto até ser abordada por uma piscada de olho significativa. E, depois de tudo, o que se sabe é que a noite rolou pequena pra tanto dengo e badalação, pois,foi tanta coisa de repente, que o santo perdeu de longe, em prestígio e devoção.