Um raio de sol dribla a cortina e acende os meus olhos apagando algum sonho. Acho que dormi demais, para o sol estar assim.
O travesseiro está fofo e quente e não deixa a cabeça girar. Giro os olhos examinando os espaços até parar no Dorival Caymmi. Passo a vista nos outros CD´s mas os olhos voltam magneticamente ao velhinho risonho. É uma imagem com o fundo amarelado e a luz levemente destorcida evidenciando as sombras. Imagem irreal, fantástica, que devido a miopia e a uma acomodação preguiçosa dos sentidos no universo onírico, acentua as impressões de quem acabou de sonhar.
Dorival é o centro geométrico e espiritual da foto. Danilo, seu filho mais novo, em primeiro plano sorri de maçãs erguidas...parece perturbadoramente o meu próprio sorriso. Com a cabeça no ombro do pai a filha Nana derrama ternura e atrás, observando satisfeito, o filho mais velho Dori, também assustadoramente parecido comigo...
Mas meus olhos só querem saber do velho Caymmi, carinho e paz de olhinhos fechados de sorrir...por que uma imagem tão terna me deixa apreensivo?
Tenho que levantar...não quero...estou triste... procurando paz encontro angústia na paz desse senhor que, genial, cantou em poucos versos, de pouquíssimas músicas, como ninguém, tanta vida... e que, com um semblante lembrando o meu, festeja a velhice...com a sua família...
O sol ilumina o meu rosto refletindo-o na caixa do CD...
Desperto meio atormentado...