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Cronicas-->Quem É Que "Massacra" Civis? -- 21/04/2002 - 03:21 (salim ibrahim) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Por muito que sejam perturbantes as imagens televisivas dos tanques israelitas a passar por cima de um carro, vazio previna-se, e que sobre elas se ouça um texto em que se fala de um "massacre" que os mesmos israelitas estariam a fazer dos palestinianos, civis infere-se, convinha que não se perdesse algum sólido sentido dos valores, dos princípios, sequer do bom senso democrático. É que as imagens televisivas equivalentes ao tanque numa operação de guerra não existem e se existissem não iriam para o ar em nenhuma estação televisiva ocidental.

Seriam as imagens de um rapaz novo, palestiniano, com um casaco apertado para não se verem os explosivos à cintura, com a mão num detonador, a entrar numa pizzaria ou numa discoteca, cheia de jovens como ele, ou de famílias a comer sossegadas ao sol numa esplanada. Quando a bomba explode, também seria pedagógico que as imagens mostrassem os seus efeitos. Os mortos estariam mortos, os corpos destruídos no chão, mas alguns dos sobreviventes dariam imagens tão "fortes" que mesmo os noticiários tablóide hesitariam em mostrar, os rostos queimados, as vísceras à mostra, as mutilações dos membros presos por um fio de carne, os troncos a quererem levantar-se, com os pulmões queimados. Só depois chegariam as ambulàncias e se recolheriam os feridos e as partes dos corpos incrustradas nos autocarros, nas mesas dos restaurantes. Pouco bonito para se ver, mas demasiado real para quem as vive.

Se houvesse justiça televisiva, se as imagens não fossem elas próprias a mais terrível propaganda que existe pela sua selectividade absurda e injusta, talvez o tanque parecesse, por ironia, pacífico. Não é. De facto, é tudo menos pacífico. Uma bala de uma arma automática moderna, uma rajada de metralhadora pesada, um disparo de um obus destroem um corpo com a mesma eficácia dos tubos de dinamite do bombista suicida. Só que quem está do lado da mira do tanque não são civis palestinianos num café, ou os fiéis a rezar na mesquita ou as mulheres a fazer compras, mas militares e polícias armados das dezenas de organizações de "segurança" criadas pela Autoridade Palestiniana ou pela Fatah e militantes dos grupos terroristas.

Mas há mais quanto aos alvos, neste mundo de armas. Ao colocar como objectivo da sua actuação a população civil que só tem em comum a circunstància de ser israelita, ou de viver em Israel, o terrorismo palestiniano assume uma dimensão holística, que o torna racista. É a qualidade de ser "israelita" que as bombas atacam, mostrando que um dos fundamentos do conflito permanece o mesmo desde a fundação do estado de Israel - a recusa absoluta da própria existência de um estado não islàmico, democrático e pró-ocidental, no território da Palestina, que já foi administrado pelos ingleses, que já foi da Transjordània, que já foi otomano, que já foi reino cristão no tempo das cruzadas, província bizantina, província romana, reino judeu, colónia assíria, etc., etc. É uma história tão complexa e pesada que não dá "direitos históricos" a ninguém, sem que apareça o anterior ocupante a acenar com os seus.

Cruel e violenta como é qualquer acção de guerra, ou de "repressão", a ofensiva israelita é essencialmente uma operação de infantaria apoiada por helicópteros e blindados, o que ajuda a proteger a população civil palestiniana, à custa de maiores baixas previsíveis para os israelitas. Se os israelitas se comportassem como os russos na Tchetchénia, então a sorte dos civis seria trágica. Poucos países do mundo, dispondo da superioridade de armamento pesado de Israel, actuariam de uma forma que deixa os seus soldados tão expostos ao fogo adversário, com a agravante de Israel confrontar combatentes irregulares, que vestem à civil e usam os civis como escudos, utilizando, por exemplo, as ambulàncias para se deslocarem, em violação flagrante de qualquer lei da guerra. Esses combatentes, que têm o apoio da maioria da população, são muitos deles desde infància e na escola endoutrinados e preparados para a violência e a luta armada, e uma parte deles não se comportam como soldados, mas como suicidas. Como os EUA descobriram na Segunda Guerra Mundial, defrontar suicidas não é a mesma coisa que travar uma guerra, irregular e suja que seja. Foi aliás este um dos factores que levaram ao uso da bomba atómica contra o Japão.

A ofensiva militar israelita nas cidades sob controlo da Autoridade Palestiniana é uma operação militar, não um "massacre" contra civis, nem um acto de "terrorismo de Estado" ou de "colonialismo" como, com o habitual pouco cuidado com as palavras, os socialistas se lhe referem. Pode-se contestar tudo nesta operação militar, se é ou não eficaz para combater o terrorismo, se é "proporcionada" ou não, se é ou não conduzida com os suficientes cuidados e salvaguardas que se esperam de um exército de uma democracia num meio urbano, com milhares de civis encurralados, se são ou não cometidos abusos de direitos humanos, como sejam execuções sumárias ou restrições inadmissíveis à circulação de ambulàncias. Todas estas dúvidas são legítimas e não só se podem como devem colocar. Todas as outras implicações em termos de direito internacional têm igual sentido. Podem e devem colocar-se.

Mas nenhuma dessas dúvidas, ou objecções, ou críticas justificadas pode fazer esquecer que estamos perante uma operação militar conduzida por um Estado democrático, na base de um princípio de "legítima defesa", que pode contestar-se mas não se pode em absoluto negar, e que não há qualquer prova, nem sequer indício sustentável, de que se trate de um "massacre" dirigido contra os civis palestinianos. Pelo contrário, os atentados terroristas à bomba contra Israel, esses sim, na sua violência indiscriminada contra a população, é que merecem o qualificativo de "massacre" contra civis.

JOSÉ PACHECO PEREIRA
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