NA FILA DO DETRAN
Estou na fila do Detran. Pouco espaço, muito calor e aquela sensação de
cidadão oprimido por certos dinossauros estatais. Mas não me aborreço.
Aliás, toda vez que tenho de ir ao Detran, aproveito para fazer longas
reflexões enquanto aguardo para ser atendido. Isso porque a gente sempre
fica algumas horas ali, até resolver tudo nas cinco ou seis filas diferentes
a serem percorridas (no mínimo).
Então, enquanto aguardo prazerosamente, entrego-me a observar e pensar.
Nessas ocasiões, ocorre-me, por exemplo, que todos aqueles guichês, arquivos,
computadores, documentos, cadastros, controles e funcionários muito
preocupados consigo mesmos não são suficientes para evitar fraudes e
adulterações em documentos e chassis de carros. Nós pagamos por todo
aquele aparato, mas na hora de comprar um carro usado ninguém está seguro.
Da mesma forma, toda aquela equipe de agentes arrogantes também não
consegue acabar com os acidentes, nem ser mais eficaz na preparação de novos
motoristas, nem evitar os congestionamentos.
Se você duvida, então passe a observar com atenção. Quer um exemplo?
Durante a última exposição agropecuária de Brasília, os automóveis que se
dirigiam ao local provocaram congestionamentos quilométricos, principalmente
no eixão e na rodovia da água mineral. Na noite de um dos shows sertanejos,
as três faixas no sentido sul-norte do eixão ficaram completamente obstruídas
no longo trecho entre a Granja do Torto e a SQN 114 (mais de 1 quilômetro).
Trânsito absolutamente parado durante horas.
Ou seja, moradores de outras localidades, como Lago Norte, Sobradinho e
Planaltina não podiam ir nem vir. Muitos ficaram duas horas presos num
congestionamento de outra "galera", com a qual nada tinham a ver.
Tudo bem, você me dirá que o Detran não tem culpa se metade da população
é alucinada por algumas duplas sertanejas que se apresentam em exposições
agropecuárias e, por isso, entope um setor tentando desesperadamente chegar
ao local do show. Disso o Detran não tem culpa, mas tem 100% de culpa por ser
ineficiente na administração desse e de outros problemas que são antigos,
crônicos, repetem-se sempre.
Voltando aos deliciosos momentos de espera nas filas do Detran, enquanto
aguardo lembro-me também que já existem mais pardais eletrônicos do que
pardais com bico e penas pelas ruas. Tento consolar-me com a crença de que
esses controladores de velocidade são um recurso preventivo, que tem a única
e nobre finalidade de evitar acidentes.
Mas essa certeza vai desaparecendo à medida que me lembro dos pardais em
certas avenidas e rodovias. No eixo monumental e na via W-3, por exemplo.
Raciocine comigo. O eixo monumental é tão espaçoso que foi citado no Guiness Book
como a avenida mais larga do mundo! São doze faixas nas duas enormes pistas,
seis faixas em cada sentido. A maior parte dessa avenida não tem cruzamentos nem
movimento de pedestres. Mas tem o fluxo de veículos de funcionários públicos com
salários acima da média. E tome pardais no bolso deles !
Quem não conhece, talvez imagine que a velocidade máxima permitida ali seja de
100 ou 110 km/h, já que é a avenida mais espaçosa do mundo, tranqüila e quase sem
pedestres na área. Engano. Então 80 km/h, para ser bem moderado. Errou de novo.
A máxima tolerada pelos pardais e seus sócios milionários é 60 km/h, a mesma
velocidade permitida na via W-3, que só tem três faixas de cada lado, é a mais
movimentada avenida de Brasília e com intenso trânsito de pedestres e carroças que o
Detran e o GDF fingem não enxergar, principalmente em época de eleições.
Não me pergunte por que são adotados esses critérios. Pergunte isso aos gênios do Detran.
Bem, se o Detran não consegue resolver esses problemas, talvez esteja resolvendo muitos outros.
É possível. Os estacionamentos públicos, por exemplo. Aí estão todos eles na maior confusão,
com filas duplas, desorganização geral, todos controlados por milhares de flanelinhas que
se sentem donos do pedaço. Curioso notar que muitos desses flanelinhas desaparecem
minutos antes de os ladrões chegarem para roubar aparelhos de som ou até os automóveis.
Retornam logo depois. Deve ser apenas coincidência. Outros não pensam duas vezes para
riscar os carros de quem lhes nega a gorjeta. Sei de um que vai mais longe. Esvazia pneus,
quebra lanternas e faróis e, se estiver de mal com a vida, também dá umas boas joelhadas
nos pontos deformáveis da lataria.
Bem, se é assim, para que serve o Detran ? Quem sabe para funções mais sofisticadas, como
engenharia do tráfego, por exemplo. Sim, em certas avenidas isso é necessário, como no
aso da nossa W-3.
Então repare bem o que fez a engenharia de tráfego. Depois que instalaram os pardais na W-3,
imediatamente alteraram os ciclos dos semáforos. As trocas entre vermelho e verde ficaram
mais rápidas, sendo que o sinal amarelo teve sua duração diminuída. Ou seja, a chance de
você ser multado por cruzar no sinal vermelho (ou por exceder o limite de velocidade, na pressa
para antecipar-se ao vermelho) aumentou uns 300%. Não é preciso ir muito longe para desconfiar
que a alteração nos intervalos dos semáforos pode ser uma forma bem camuflada de transformar
aqueles graciosos aparelhinhos em inexoráveis pardais-tocaia
Alguns motoristas se deram ao trabalho de reclamar, chamaram a atenção da imprensa e, então,
o regime de funcionamento dos semáforos voltou ao que era. Mas, decorridos alguns meses,
logo que a imprensa se esqueceu do problema, lá vem a engenharia de tráfego novamente mexer
nos ciclos dos semáforos. Primeiro, lá no início da avenida. Depois no semáforo seguinte, no outro
e nos demais também. Quase todos voltam a ter seus rítmos de funcionamento alterados.
Deve ser uma estatística fantástica para o pessoal do Detran e da Secretaria da Fazenda, já que
basta reduzir meio segundo na duração do sinal amarelo para que a indústria da multa multiplique
sua produção ! Um lance maravilhoso para a sanha financeira do governo !
Afinal, se as coisas são assim, então para que serve o Detran ? Ele tem alguma serventia para o
usuário do trânsito, para o motorista, para o povo ? Ou é apenas uma fonte de aborrecimento para
os motoristas, um produtor de burocracia inútil, uma máquina de fazer dinheiro para o governo,
um ninho aconchegante para os seus funcionários ?
Continuo na fila, aguardando. Quanto mais demorado o atendimento, mais longe vão minhas reflexões.
Mais me convenço de que o Detran seria mais útil se fosse sumariamente extinto...
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