O delegado solicitou a elaboração de relatório em um plantão do fim de semana. O escrivão fez o dever de uma forma inusitada. Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos envolvidos. O fato é verídico e recente: primeiro dia de abril do corrente ano, manhã de outono que carrega a paz, nesta sagrada e interiorana cidade de Deus, perpetrada pelos cunhos tradicionais senectos de costumes católicos, emaranhados de uma espessa camada de sofistas bucólicos, charlatães invulneráveis, espinhosos burocratas pseudosofistas, infestados pela vertigem do poder. Se o homem é o sal da terra, o que diria o mar, com inveja, por ser o homem, este soberbo obumbrado de alma em semoto estado, um salgado nada rutilante, no viscoso e gélido veneno da vingança corrompida.
Deparei-me com um Termo Circunstanciado de Ocorrências (TCO) do Vanilge, faltando o Boletim de Ocorrência Militar, que, por um lapso, foi devolvido aos fardados. Um outro procedimento, ainda oriundo do plantonista, relatava uma rixa, fruto de uma sexta-feira típica das baladas regionalistas, com a constante salsada resultante de bebidas alcoólicas. Fato velho e contumaz. Nada mais.
O dia morre com o nascimento da noite. E a vida quase morre nesta delegacia, nos ambientes pesados em cargas negativas de diversos tipos de sentimentos. É que o sistema não funciona e o lixo é jogado na porta da delegacia. Outro fato vetusto, nada inovador.
A escrivã Loirena debate-se contra injustiças e línguas forquilhadas de víboras nada clandestinas. Gomildo Pereira é detento do regime semi-aberto, foi preso mediante denúncia anónima que relatava a condição lànguida de um frequentador assíduo e atreito aos botecos. Se é verdade que o detento está foragido, tal informação não foi obtida, pois nossos computadores estavam fora do ar. Mais um fato comum por aqui. O uso de maconha, ou substància semelhante à Cannabis sativa lineu, marihuana, fumo de bode, brau, erva maldita, capim do diabo - escolha o termo que preferir - mais uma vez foi caso de TCO, desta vez contra Firmino Feminino. Meliantes saem aparentemente contritos, com aqueles velhos olhares inocentes de anjos pueris, incapazes de machucar uma mosca, a exemplo de Norman, no clássico Psicose, de Hitchcock. Ledo e infeliz engano.
O destemido policial Joe Nelson PéSó prendeu um comerciante que portava alguns argênteos relógios suspeitos, cometendo o crime de ser pobre. Ameaça, desacato, resistência, arruaça e agressão, ocorrências bem conhecidas nos fins de semana, enquanto familiares queixam-se de que nós nunca nos reunimos; festas de aniversários sempre são perdidas, eventos sempre são cancelados. Na maioria das vezes, dias e noites insólitas aproximam-se das longínquas terras da paz e harmonia, pois trabalhamos muito para perdermos mais um terço da vida. Caos. Momentos são desmarcados, compromissos não podem ser feitos; nada natural, ou será que tudo é natural? O sono perdido e nunca recuperado rechaça a insónia, enquanto o cansaço deixa a segunda-feira, que antes de chegar já aparece destruída nas janelas e paredes do corpo. Resumindo: dor de estar em estado anti-social.
Finalizo, antes que fique louco ao ler os jargões "palavras de baixo escalão", "evadimos do local por volta do horário" e "evacuamos no recinto"... Enquanto o protuberante estresse não me corroeu por inteiro e, antes que venha a explodir pelas ventanas do ar extirpado, termino este algaraviado de forma perístase, e, tão certo que esta divagação não possa ser difundida, peço que não leve a mal tais letras injuriadas: a culpa não é de ninguém - são ossos quebrados do árduo ofício!