De algum modo, nem bem sei como, tudo desmoronou.
O projeto tinha sido elaborado com detalhes minudentes, saindo do meu modo habitual e desorganizado de ser. Estava tudo previsto: as férias na cordilheira, o chalé ao pé da montanha nevada, a oportunidade única de esquiar, enfim, tudo quanto fora sonhado durante uma década e fora sempre adiado por alguma coisa insignificante, mas que terminava por fazer uma enorme diferença: era um casal amigo que resolvera agasalhar-se em nosso apartamento numa escala imprevista em Fortaleza; era uma ida imprescindível à fazenda para acertar umas contas inadiáveis; era o casamento da filha de um amigo do peito que nos convidara para apadrinhar a cerimónia; era o aniversário da netinha do coração. O fato é que, na realidade, o projeto das férias chilenas fora adiado e adiado por todos aqueles ricos dez anos!
Agora, contudo, era para valer. A bagagem já fora arrumada, malas feitas, roupa pesada recém-lavada, cheirando a amaciante floral.
Nos olhos e no coração já surigra aquele clima do dolce far niente, aquele langor que a gente nem bem sabe descrever.
As passagens aéreas guardadas no cofre para que a arrumadeira não nos fizesse o favor de mudar de lugar e nos fornecer ingrediente para uma dorzinha de cabeça na última hora...
Aí, surgindo do nada, as barbas do tempo meteram-se no nosso caminho...Estava tudo tão certinho!Como é que foram programar aquelas aulas! Meu Deus! Será que vamos ter que esperar dez anos mais?
No primeiro dia de aula, por incrível que pareça, olhando para os alunos atónitos, eu me surpreendi falando espanhol, contando histórias da cordilheira e de umas tais barbas do tempo...