Renato, ganhou o quadro num sorteio realizado no escritório.
O saguão do prédio servira de exposição para vários pintores iniciantes e o chefe, para incentivar, resolvera ficar com três telas: duas ele doara para a Fundação cultural que tinha o seu nome e o terceiro, para estimular o gosto pela pinacoteca entre os seus auxiliares, entendeu de fazer um sorteio.
= Vinte e dois! Vinte e dois!
Renato custou a acreditar. Jamais ganhara coisa alguma. Mas, a voz de barítono do chefe, repetia o seu número:
= Vinte e dois!...
Era o seu número. Levantou-se. Palmas, assobios, frases:
= Marmelada, marmelada...
Olhou o quadro rapidamente, embrulhou=o novamente.
Quando chegou em casa, desembrulhou a tela e ficou olhando longamente para quela paisagem cinzenta, uma cena marinha, uma praia quase deserta com um único barco encalhado e o pano da vela agitado pelo vento, adelgaçando-se, misturando=se com as ralas nuvens cinzas do firmamento indefinido...
E o pintor escrevera com uma letra tremida o nome da tela: Solidão.
De repente, Renato se deu conta de que estava sozinho no apartamento enorme.
Na sua memória, lentamente, começaram a voltar as vozes que outrora enchiam aquelas paredes de alegria: Sónia, a esposa jovem e bonita; Emília, a filha de cinco anos, que vinha lhe fazer carinhos quando voltava do trabalho e, porque não,as frases carregadas do sotaque nordestino da Cleonice, a empregada que tanto sabia zelar pelas suas coisas.
Olhava para a tela e sentia o peso insuportável da solidão...
Um nó na garganta, uma estranha opressão no peito, uma vontade insopitável de experimentar aquilo tudo outra vez...
Olhava para o telefone e, por mais de uma vez, a sua mão afoita retirou o fone do gancho, mas a covardia matou o gesto antes da concretização...
Então, passando os dedos aflitos pela tela áspera, chorou silenciosamente o pranto amargo da solidão.