"A figura da Justiça
Já nos inspira uma farsa
Sua cegueira é postiça
E a venda é de talagarça"
Batista Soares
Eu era ainda vigário novo, quer dizer, havia assumido o cargo de juiz fazia menos de um ano, quando me desloquei ao Rio, para compromissos familiares. Ao regressar, tomei um táxi para me levar ao Galeão. O motorista, ao ver-me de terno e gravata, perguntou-me:
- Moço, desculpe a minha ignorància, o senhor é caixeiro-viajante?
Circunspecto respondi:
- Não, sou juiz!
Ele fezm um muxoxo e disse:
- Eita! eu tenho horror à Justiça!
Incomodado com aquela brusca revelação, cheguei até a pensar que o homem era um marginal, e falei:
- Mas o senhor não sabe o quanto a justiça é necessária. Ela é o último refúgio da cidadania.
O homem não aceitou as minhas ponderações e continuou a crítica:
- Olha, doutor, a justiça é feita para enganar os trouxas.
Eu já estava começando a ficar irriktado com tanta insolência:
- O senhor devia respeitar a instituição...
Ele não me deixou concluir:
- Doutor, eu moro ali na ilha do Governador, para onde estou lhe levando. Tenho uma casinha que comprei com todos os papéis legalizados há mais de vinte anos. Sabe de uma coisa, meu vizinho agora resolveu tomar-me 5 metros. O processo está na Justiça e eu corro o risco de perder os meus 5 metros. Por isso que eu digo, a justiça só é boa para os marginais. Eles praticam um crime e ficam esperando julgamento. Aí,podem ser absolvidos por falta de provas ou, então, pegarem uma pena muito pequena. Não é verdade?
Durante todo o vóo até Teresina fiquei maturando sobre o que o motorista me dissera. Pela minha mente passaram tantos erros, tantas injustiças mometidas em nome de Deus sabe lá o que.
Quando desci do avião, por que eu estaria lançando um livro dentro de uma semana, um repórter havia sido destacado para me entrevistar.
Quando ele me fez a terceira pergunta: "O que o senhor acha da justiça?", imediatamente lembrei-me do motorista de táxi da Ilha do Governador, e respondi:
- Olha, a justiça, na realidade, é uma forma de enganar os trouxas.
O repórter escancarou os olhos escandalizado.
Para melhorar as coisas, arrematei:
- Acabei de aprender isto de um motorista de táxi no Rio de Janeiro
