Todo fim de tarde - boquinha da noite - eu passava por aquela velha mansão, nas imediações da casa de minha avó, voltando do colégio. Chamava-me atenção o pesado muro cinza escuro, o telhado de Marselha, estilo europeu, as duas cumeeiras pontiaguadas, o indicador da direção dos ventos e, mais que tudo, o velho catavento que teimava em girar e a puxar água do poço do quintal.
Os ferros gemiam por falta de graxa e davam, naqueles sons ora estridentes, ora dolentes, uma melancolia especial para o lugar.
Eu buscava, na imaginação, renovar aquele casarão, torná-lo, uma vez mais, vivo, repleto de pessoas; pensava nas festas que ali aconteceram, numa época em que a cidade era menina.
Hoje, praticamente abandonado, sabia-se que apenas uma senhora de muita idade vivia ali com dois criados. Os parentes residiam todos noutro estado e, raramente, vinham visitá-la, ocasião em que os lustres do vestíbulo eram acesos, exibindo o cristal da Bohemia mantido em perfeito brilho e em absoluto estado de limpeza.
Depois, uma semana ou duas, quando muito, as férias terminavam, os parentes partiam de regresso aos seus lares e a casa voltava ao seu estado soturno de lar abandonado. Vivo, em trabalho diuturno, apenas, o catavento, puxando água, desafiando o progresso, recusando-se a uma melancólica aposentadoria.
Pela vida afora, depois, muitas vezes, deparei-me com outros cataventos, teimosamente trabalhando, inteiramente fora de moda, mas, quem sabe, nos períodos de falta d água, recobrando a utilidade.
Hoje, então, saudoso dos rangidos dos ferros de um catavento que eu nem sei se ainda existe, penso nas pessoas que vivem, com seu trabalho infatigável, rangindo os ossos nos percalços e mazelas da idade, mas sempre prontos a mostrarem serviço e a prestarem ajuda.