A comemoração pelo acordo com o FMI só perde para a festa pela conquista do pentacampeonato mundial de futebol. Pleiteado à s pressas para que Fernando Henrique Cardoso possa sair pela porta da frente do Palácio do Planalto, ao final de seu inconsequente mandato, o recente acordo com o FMI tem sido comemorado de uma maneira que se leva a pensar que está se gastando vela com defunto ruim. Aceitar uma ajuda de US$ 30 bilhões é permitir que o endividamento do país aumente de forma assustadora. Negá-la seria um suicídio.
Eleito sob a suspeita de fraude nas urnas, George W. Bush tem mostrado que não herdou o carisma diminuto do pai. Entrincheirado para se defender das infindáveis denúncias de fraudes na Economia americana, uma delas patrocinada pelo vice-presidente Dick Cheney, George W. Bush tenta vestir a fantasia de xerife do universo para, no melhor estilo faroeste, desviar a atenção do mundo de um inevitável e lento desmoronamento de um castelo de areia chamado Estados Unidos.
Em pouco menos de um ano o Tio Sam mostrou que não é apenas frágil, mas deglute nos bastidores a ácida e indigesta corrupção, embalado pelo som da fraude financeira.
Imaginar que o Fundo Monetário Internacional concedeu mais um empréstimo ao Brasil porque confia na política económica do governo Fernando Henrique Cardoso é uma ingenuidade abissal, que faria com que o mais reles economista rasgasse o próprio diploma. Se a equipe económica do governo fosse competente o país não teria acumulado uma dívida pública superior a R$ 760 bilhões, por conta da inocuidade do Plano Real.
"A economia só resolve um problema antigo gerando dois ou mais problemas novos".
Albert Hirshman
Mais uma vez o Presidente da República, no desespero por fazer o sucessor, manifesta-se efusivamente na tentativa de propulsar a pífia campanha de José Serra, impedindo assim o levantar da poeira de seu governo, totalmente infectada pelo vírus da incompetência e da corrupção.
Diferentemente da Argentina, cujo ano nem mesmo começou e que vem aguardando a pseudo-benevolência do FMI há mais de oito meses, o Brasil representaria, como ainda representa, um sério risco à s economias americana e mundial em caso de quebra ou moratória.
Impossibilitado de suportar mais escàndalos e derrotas, George W. Bush foi pressionado pela comunidade financeira internacional para mudar o tom do discurso do secretário do Tesouro, Paul O´Neill, sem mudar o pensamento, como a endossar um empréstimo do FMI ao Brasil. Na verdade este empréstimo, que vem sendo chamado de ajuda, desempenhará o papel de coiote para que o capital estrangeiro, especialmente o americano, possa escapar da turbulência brasileira bem longe dos olhos do povo.
Gigantes como Citigroup e BankBoston têm investimentos consideráveis no Brasil, e Wall Street não suportaria mais um maremoto especulativo contra a economia brasileira, o que provocaria náuseas e colapsos no mercado financeiro internacional, levando ao rés do chão o pouco que resta da credibilidade de George W. Bush.
Mas o acordo não é uma ajuda?
Não, é algo parecido com o abraço do capeta.
Um dos significados encontrados no tão necessário Dicionário Aurélio para o verbo ajudar, revela muito bem o que é mais esta ação do FMI.
Ajudar: Prestar auxílio a si mesmo, ou reciprocamente.
Foi exatamente o que aconteceu. O mercado financeiro internacional, com ênfase no americano, efetuou uma auto-ajuda ao propiciar uma oportunidade para os investimentos estrangeiros voltarem aos seus países de origem, sem nenhum prejuízo. Não existe nenhuma passagem na história universal em que o Papa tenha canonizado qualquer banqueiro por sua benemerência.
Como fica, então, a citada reciprocidade?
A reciprocidade fica por conta dos detalhes escusos do acordo e de suas sugadoras consequências.
O governo brasileiro se gaba por ter conseguido afundar o país mais uma vez, mas esconde, ou pouco divulga, as exigências leoninas do FMI. Mesmo os asseclas presidenciais dizendo que não, o FMI passa a mandar na economia brasileira. Fere a soberania nacional ter que dar explicações a quem quer que seja, sobre o que será feito com o dinheiro que já pertence ao Brasil. A cada US$ 3 bilhões utilizados, o presidente do Banco Central será obrigado a comunicar à direção do FMI as suas razões. De forma irresponsável, Armínio Fraga explicou esta exigência dizendo que bastaria apenas um telefonema. Se para conseguir a liberação de US$ 3 bilhões basta um telefonema, já tem fila de ministros da Economia de todo o mundo querendo comprar dez aparelhos telefónicos iguais ao de Armínio Fraga.
Para completar a virulência da ajuda financeira, o FMI exigiu um comprometimento fiscal por parte do governo brasileiro até o ano de 2005. Este é mais um ponto que mostra a má vontade do governo em revelar, na íntegra, os detalhes do acordo. É impossível se comprometer com qualquer contrato, até dois anos após o seu término. O acordo com o FMI finda em dezembro de 2003, enquanto o conjunto de exigências vai até 2005.
Um comprometimento desta natureza vai exigir do próximo presidente, seja ele quem for, um empenho máximo nos primeiros dias de governo na tentativa de realizar mudanças na área fiscal, previdenciária e trabalhista. Diante deste quadro, é bom o brasileiro ir se acostumando com o aumento da carga tributária, pois pensar que uma mudança ocorrerá em curtíssimo prazo é uma enorme irresponsabilidade.
"O estado nunca é tão eficiente como quando quer dinheiro".
Anthony Burgess
Concordar com as mazelas deste acordo seria uma armação política do atual governo, na tentativa de promover um descrédito do próximo presidente e recuperar o viço da plumagem tucana ao longo dos próximos quatro anos?
Na política tudo é possível, mas o governo não teve tempo de tirar do armário todas as pílulas do maquiavelismo. Porém, não se pode esquecer que o maior responsável pela atual crise é o próprio Presidente da República. Ao tentar atrair votos para José Serra, enquanto a economia brasileira apenas esbaforia e não tropeçava, Fernando Henrique Cardoso disse que a vitória de um candidato da oposição nas eleições presidenciais seria o mesmo que argentinizar o Brasil.
No contraponto, vivemos em uma terra onde ferozes e contumazes inimigos trocam, empurrados pela necessidade, beijos, abraços e elogios.
Em terra de gente séria, quando a mãe de alguém é ofendida - mesmo ela tendo uma vida fácil - o ofensor passa a ser um inimigo mortal. Mas lembre-se que é apenas em terra de gente séria, e a política brasileira não tem demonstrado, pelo menos até agora, nenhum sinal de seriedade.
Afinal, qual é o objetivo do FMI?
Conceitualmente o FMI foi criado para promover o desenvolvimento de países menos favorecidos, diminuindo, em tese, as disparidades sociais que têm assolado o mundo.
Mas conceitos, como se sabe, nada mais são do que esdrúxulos pensamentos de uma teoria engessada e enferma. No Brasil, como no resto do mundo, uma senhora diante de uma casa de lupanar é considerada uma prostituta, quando na verdade pode ser uma casta religiosa seguidora do Senhor.
E o que é o FMI?
Definir o FMI é um caso complicado que mereceria um estudo mais aprofundado, principalmente por parte das ciências esotéricas, pois uma resposta só se alcançaria por meio da adivinhação.
Para que ninguém fique esboçando aquela famosa expressão de contemplador de paisagem, encontramos duas alternativas messiànicas que servem como respostas.