Havia a história do rei que não conseguia dormir por causa de um pernilongo, que lhe perturbava a noite inteira. Ele ordenou que todos os pernilongos do seu reino fossem mortos, e até ofereceu prêmios para os maiores "matadores de pernilongos". Mas, de nada adiantou, o seu "exclusivo" pernilongo continuava a lhe atazanar a paciência. Até que um dia o rei descobriu que o pernilongo era, na verdade, o seu antigo preceptor, que se transformara em pernilongo com o fim de fazer o rei voltar à sua antiga condição de rei bondoso, como havia sido no passado. E, de acordo com a história, o rei aprendeu a lição.
Havia as deliciosas histórias em quadrinhos (tiras de jornais) de Pafúncio, com a sua mulher Marocas, que vivia atormentando-o. O seu prato predileto era carne seca com repolho. Certa vez, um operário, trabalhando em seu próprio prédio, deixa cair, sem perceber, da escada onde estava, em frente à janela de Pafúncio, uma marmita, exatamente com o tão desejado e apetitoso prato. Não é preciso dizer que Pafúncio, sem pestanejar, se apropriou da marmita, se deliciando com a sempre apreciada carne seca com repolho.
Havia também as gostosas histórias em quadrinhos (também tiras de jornais) do Professor Nimbus, extremamente azarado.
E a coleção de livros para os jovens de Monteiro Lobato, com Emília, Narizinho, Pedrinho, Dona Benta, Tia Nastácia, O Visconde de Sabugosa, Quindim, Rabicó, que me deixavam maravilhado com a imaginação criativa de Lobato, o seu senso de humor. Li toda a coleção durante as "aulas" de leitura, na biblioteca do colégio. As vezes, não resistia e começava a rir, acompanhando as aventuras, muitas vezes hilariantes, da turminha do Sítio do Picapau Amarelo. Era quando a professora me olhava com aquele ar de repreensão e eu precisava segurar o riso.
Na época, nem imaginava que Monteiro Lobato fora um ardoroso defensor de causas nacionalistas, como o nosso petróleo, chegando a fundar uma empresa para a sua exploração, que, no entanto, foi cruelmente sabotada pelos norte-americanos, que conseguiram levá-la à falência. É bom lembrar que os técnicos norte-americanos que vinham ao Brasil pesquisar se aqui existiam reservas de petróleo, afirmavam, com convicção, que não havia a mais remota possibilidade de existir petróleo em nosso país!
Lobato era irreverente e escrevia cartas extremamente malcriadas ao presidente da república, Getúlio Vargas. Acabou sendo preso, mofando por alguns meses detrás das grades.
Outro livro, que, na época, me maravilhou foi "A Volta ao Mundo por Dois Garotos", de Henri de la Vaux e Arnald Galopin {atualizados por Francisco Acquarone (desenhos e mapas) e Affonso Varzea (texto)}, que conta a história de dois garotos que dão a volta ao mundo perseguidos por um gàngster, e, em cada país em que chegam, aprendem as peculiaridades do seu povo, seus usos, costumes, história, geografia etc, entremeados com perigos, dramas, risos, romance. Na verdade, possuo este livro até hoje, já com as páginas bem amareladas, e com algumas páginas corroídas pelo cupim. Ele foi emprestado para alguns alunos da minha esposa, quando ela dava aulas no colégio.
Mais tarde, segui, passo a passo, as incríveis aventuras de Thor Heyerdall e seu grupo de nórdicos, que, após traçar ambicioso plano, se dirigem a América do Sul, onde, em um país que, se não me engano, é a Bolívia, procuram e encontram uma determinada espécie de árvore, com os troncos da qual constróem uma jangada, sem usar um prego ou parafuso sequer, e com ela atravessam o Oceano Pacífico. O fim científico dessa aventura é provar que, em um distante passado, esse caminho poderia Ter sido percorrido por povos antigos, até o Taití.
Mas, durante a travessia, se deparam com monstros que surgem das profundezas do oceano, e que sobem à superfície à noite; com peixes voadores, tubarões, baleias, tempestades marítimas, e pequenos peixes que adotam a jangada como "mãe" e a acompanham, se alimentando das sobras de comida, assim como procedem com a baleia e o tubarão.
A excepcional jangada é batizada com o nome de Kon Tiki, antigo deus barbudo adorado pelos indígenas, e com o rosto do qual pintam as suas velas; que dá, também, nome ao livro.
Também na mesma época, me apaixonei pelo livro Deuses, Túmulos e Sábios, de C. W. Ceram, que relata as mais impressionantes descobertas arqueológicas, como, por exemplo, a da túmba do Faraó Tutankhamon, uma das poucas que foram descobertas praticamente intactas, inclusive com as máscaras mortuárias de Tutankhamon, e sua múmia em bom estado de conservação, e riquezas incríveis em sua tumba.
Essa descoberta é relatada, passo a passo, conduzindo o leitor, com mestria, aos lances, inclusive de sorte e de coincidências, que conduziram à descoberta, que provocou, grande sensação na época. E, depois, o que ocorreu com os seus descobridores, muitos vitimados por doenças misteriosas e fatais, alimentando a lenda da maldição do faraó sobre aqueles que viessem perturbar o seu descanso.
Outras descobertas arqueológicas históricas são relatadas nesse livro, que não mais possuo, pois o emprestei, como muitos outros, e não me retornou mais (assim como Kon Tiki).
Esses e outros livros magníficos marcaram, definitivamente, a minha infància e a minha juventude. A extraordinária aventura de ler, de se embebedar nas histórias, aventuras, epopéias, dramas, assim se iniciou, enriquecendo demais a minha existência e o meu conhecimento.