Lá na ponte da entrada do bairro, eles foram chegando. Era difícil atravessar. Ponte precária, apodrecida, perigosa. Os carros ficaram do outro lado. Os assessores alegres, coloridos, musicais começaram o desfile. Os alto-falantes tocaram músicas bem do gosto dos moradores. A criançada acercou-se eufórica, acompanhando o cortejo.
Esse era um acontecimento costumeiro a cada véspera de eleições. A rua principal ficava tomada por bandeiras e faixas. As janelas se abriam. As portas se escancaravam. As mulheres acenavam esperanças.
O patriarca desfilava triunfante, acenando sem parar. Entrava em cada casa e perguntava como iam. Beijava as crianças meladas e sujas. Sentava-se no banco carcomido e enroscando seu linho importado ouvia com paciência as desculpas do anfitrião. Fingindo não se importar, prometia que tudo melhoraria depois das eleições. Eleições muito especiais desta vez, pois era chegada a hora do bairro que soube esperar com paciência. A ponte! Desta vez, sim! A ponte seria finalmente construída e haveria transporte, progresso e tudo mais.
De casa em casa, com seus assessores ele ia distribuindo quinquilharias inúteis junto com sua foto sorridente. Esse era o costume há tantos anos. Todos se incorporavam ao desfile e iam para a pracinha, ouvir mais uma vez o discurso que alimentava a esperança. O orador afirmou e reafirmou que desta vez sim, tudo se resolveria. Teriam finalmente a tão sonhada ponte. Teriam mais saúde, mais escolas, as ruas seriam asfaltadas, finalmente esgoto e coleta de lixo seriam implantados. Todos acreditavam e aplaudiam frenéticos. O patriarca tinha ali, seu maior reduto eleitoral. Um reduto cativo.
Ao longo dos quatro anos seguintes tomava o cuidado para que ninguém melhorasse nada. Construir a ponte nova, nem pensar. Isto estragaria tudo. Era preciso manter o sonho desses miseráveis, sempre como um sonho. A escola precisava ficar da pior forma possível. E ele explicava aos seus assessores porquê:
- Se essa gente aprender muito, terei problemas. Deixem assim. Se lutei pelo voto do analfabeto, não era para acabar com eles. - E soltava uma gargalhada sarcástica.
Agora ele aponta mais uma vez lá na entrada da rua principal. Contudo, estranha muito o que vê. As crianças, que sempre eram as primeiras a esperar a caravana na entrada do bairro não estão por ali. Não há uma única sequer. E a ponte? Ele se pergunta o que acontecera com a velha ponte. Está ali uma ponte nova. De concreto. Larga e bem construída. Os assessores entram com as mesmas músicas, paramentados como sempre, sorrindo e chamando os moradores, mas as casas estão fechadas. Eles vão passando e as janelas se abrem. As mulheres com lenços pretos na cabeça aparecem e não respondem aos acenos. Todas com uma expressão de serenidade, de descoberta, de desprezo, de cansaço, mas de vitória. As portas estão fechadas e o patriarca não consegue falar com ninguém. Os assessores estão pasmados e medrosos. Assim mesmo vão para a praça sem povo, não sabendo o que fazer. Não há discurso. Não há festa. O bairro está vazio. O patriarca inconformado exige que os assessores descubram quem havia construído a maldita ponte. Dali mesmo ligam para todas as autoridades. Ninguém sabe de nada. Ninguém liberara verba alguma, mas a ponte está ali, agredindo os desejos do patriarca. Não importa, pensa. Vou dizer que fui eu quem a conseguiu. Grita pelas ruas que desta vez ele tem grandes notícias. Tudo vai mudar, agora que havia conseguido a ponte. As mulheres se recolhem das janelas, fechando-as bruscamente. A caravana do patriarca sai em silêncio, sem música, bandeiras arrastando-se pelo chão.
Na ponte, um menino apóia-se no parapeito e assiste a saída melancólica. É o único morador fora das casas. O patriarca arrisca uma conversa:
- Pelo menos você veio me ver. O que aconteceu com esses ingratos?
O menino nada responde. Apenas o encara com um olhar estranhamente autoritário. O patriarca insiste:
- Quem construiu essa ponte aí, garoto?
- Fomos nós! Eu ajudei. Agora todos estão trabalhando na reforma da escola. Tá ficando linda que só vendo...