Fez um pacto, uma coligação com o Demónio e ganhou as eleições. Festejou. O Demónio veio cobrar a dívida. Foi chegando perto do Eleito. Cutucou suas costas. O Eleito olhou para trás:
- O que você quer?
Tinha um tom de aspereza na fala dura.
- O que é isso? Não se lembra de mim?
- Você acha que vou me lembrar de todo mundo? Não vê que fui eleito com milhões de votos? Milhões, entendeu? Sabe o que é isso? Milhões! Não vê minhas ocupações diárias? Nem sei como você passou por minha segurança, por minha assessoria e tem a ousadia de me cutucar pelas costas. Vou chamar minha guarda pessoal!
- Calma! Não imaginei que você se esqueceria de quem permitiu sua vitória...
- Saia pra lá. Qual é a graça, agora?
- Não é graça nenhuma. Você fez uma coligação comigo, lembra? Sou o Demónio em pessoa aqui novamente! Sou quem viabilizou sua eleição...
- Olhe aqui, seu... Como é mesmo seu nome?
- Demónio!
- Preste atenção, seu Demónio! Eu fiz pacto com todo o mundo. Fiz uma grande coligação, rapaz! Deixe de ser burro! Pactos se fazem apenas pra gente se eleger. Depois mandamos todos... Esqueça! Afinal, o que você quer?
- Você está me faltando com o respeito! Você é surdo? Eu sou o Demónio! Sou o mal em pessoa! Posso acabar com você e levá-lo para minha casa pra sempre. Conhece minha casa? Lá você ficará eternamente e aprenderá a me respeitar!
- Nem conheço você, que dirá sua casa. Que casa é essa?
- O Inferno, seu Eleito dos infernos! O Inferno! É pra lá que vou levar você. A não ser...
- Deixe de gracinhas e ameaças infantis, seu idiota. Não tenho tempo a perder. Saia daqui! Se quiser vá até a sala do meu assessor parlamentar. Deixe lá seu pedido. Aliás, já vou avisando que tem uma fila enorme pra atender. Vai ter que ser paciente...
O Demónio parecia ter perdido toda a paciência. Gritou e seu gritou ecoou por toda a democracia.
- Olhe aqui, seu palerma, seu arrogante, seu ingrato. Está subestimando meu poder demoníaco. Vou levá-lo de corpo e alma para o inferno se não cumprir nosso pacto.
O Eleito virou-se para o Demónio e cresceu em tamanho. Suas roupas se rasgaram, pequenas que ficaram para o corpo que se avermelhava em brasa. Seus olhos se esbugalharam ameaçadores. Suas unhas cresceram como espadas afiadas. Seu corpo em curva se tornou gigantesco e inclinou-se perigoso sobre o Demónio.
Inexplicavelmente, o Demónio assustou-se como nunca. Sentiu-se pequeno e frágil. Lembrou-se do dia em que seu ex-chefe o expulsou da categoria de Anjo e sofreu novamente. Encolheu-se, acovardou-se e fugiu para o inferno, seu lar doce lar, onde ficou tremendo até agora há pouco.
O Eleito voltou imediatamente a ter a agradável aparência humana. Ninguém percebeu nada. Sorriu sarcástico e debochado para o espelho. Ajeitou seus cabelos com delicadeza feminina. Retocou o nó da gravata italiana, ou indiana, ou brasileira mesmo. Estava pronto para a entrevista que dará nos próximos minutos e que será transmitida por todos os órgãos de comunicação do país. Claro que será aplaudido por muito tempo por todos nós. Afinal, foi eleito por milhões! Milhões, entendeu? Sabe o que é isso? Milhões!