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Cronicas-->A vida dura - dura vida -- 29/09/2002 - 19:37 (Henrique F. (rique)) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O que passo a relatar nessas linhas a seguir é uma historinha, que pode ser bem real e presente em nosso cotidiano tão espetacular. A história de um menino. Um menino que não desistia. Era teimoso, persistente e ia sempre em busca dos seus sonhos. Uns sonhos eram secretos, outros visíveis aos olhos de quem o avistava pelas ruas. Pedro era seu nome.
A vida não foi muito fácil para Pedro. Aos oito anos de idade, o menino, ao frequentar a segunda série, do primário, já sentia o que iria enfrentar na vida. Numa das vezes que Pedro sentiu na pele o que vinha pela frente, foi quando a `tia´ Creuza, professora da classe, estava passando pelos corredores da sala e avistando Pedro, começou a perguntá-lo.
- Pedro, cadê o seu caderno de caligrafia? Você não esqueceu em casa, não, né?
- Não tia, não esqueci, não! Disse o menino, já com medo do que a `tia´ poderia fazer.
- Não sou sua tia, Pedro. Respeite-me. Eu só quero ver se você trouxe o seu caderno, assim como todos os alunos dessa classe. Falou, em um tom áspero que deixou Pedro de cabeça baixa.
A professora começou a mexer na mochila de Pedro e revirar os cadernos, o lanche que ele tinha trazido de casa, preparado pela avó. Pedro adorava os lanches que sua avó fazia e na mochila tinha um suco e um pãozinho, recheado com mussarela e presunto.
- Pedro! Cadê o caderno, que aqui na sua bolsa não está. Pelo amor de Deus, o que será que tenho que fazer com você, menino? Estão vendo, crianças. O Pedro esquece o caderno em casa, esquece tudo. É um esquecido e desleixado. Se quiserem ser alguém na vida, não sejam como o Pedro. Por favor.
Pedro choramingava, baixinho, com vergonha de todos e guardava dentro dele um ódio que podia destruir o mundo. A aula se prosseguia. Os dias se passavam e sempre acontecia algo para que a professora, assim como que num gesto espontàneo falasse com ele.
- Você é burro, Pedro? Pedro, você tem que estudar. Pedro. Pedro. Pedro...
Pedro não gostava muito de estudar, é bem verdade, mas o que a `tia´ Creuza fazia com o pobre menino era um martírio. Ele gostava de brincar e dizia que se tornaria um engenheiro, mas quando o disseram que para ser engenheiro era necessário estudar muito e, além do mais gostar de matemática, ele mudou de idéia.
- Pedro, o que você quer ser quando crescer? Perguntavam.
- Ah, eu vou pro Vietnã. Eu e meu amigo, Evandro. Sonhava o garoto em suas brincadeiras com um amigo da escola.
Evandro era um magricela que sempre ficava ao lado de Pedro na escola. Eram amigos e tinham um sonho em comum. Ir para uma guerra. Faziam desenhos e planos para irem ao combate.
Passava-se o tempo e Pedro foi crescendo. Por sorte não repetiu nenhuma série na escola, só em uma ocasião, quando fugiu com a mãe para uma viagem e mentiu em casa.
- Pai, vó, vó, eu tomei bomba na escola. Disseram-me na escola que não tenho mais chance de passar de ano. Então vou com a mamãe para a capital.
Sua mãe estava adoecida e tinha que passar uns tempos em São Paulo e como Pedro era muito apegado à sua mãe, foi prontamente com ela. Ele não tinha repetido o ano, mas quando sua família ficou sabendo já era tarde. Ele já estava há mais de mil quilómetros de distància. Repetiu a quinta série por amor à sua própria mãe e já com os seus 10 ou 11 anos sabia mentir como poucos. Inventava histórias como ninguém.
Na volta de São Paulo, Pedro estava feliz. Sua mãe estava melhor, e ele tinha revisto os primos, os tios e todos os parentes. Tinha trazido muitos presentes e novidades para contar para todos. Mas tinha que ir para a escola e isso era um problema.
Ficou em casa uma semana a mais que todos, dizendo para os pais que as aulas só começariam para valer mesmo na segunda semana de aula.
No primeiro dia de aula, os colegas de classe não paravam de interrogá-lo.
- Pedro, você é louco! A dona Ivonete vai falar um monte para você. Ligaram um monte de vez na sua casa e você foi para São Paulo? É doido! Disse Luzia, uma amiguinha de Pedro, sobre uma professora deles.
- Que nada. Deixa ela pra lá. Resmungou o menino, olhando assustado em sua volta. Parecia assustado com a volta e queria mesmo era estar na casa dos primos lá em São Paulo. Pedro já tinha 11 anos e estava frequentando pela segunda vez a quinta série. Ao entrar na sala, no primeiro dia de aula, foi logo sentando no fundo da sala, na última cadeira, num gesto explicável. Ele não queria ser notado por ninguém. Tinha medo dos professores e mais medo do que eles poderiam falar para ele. Tinha um trauma e o levava para todos os cantos. O medo acabou quando entrou na sala uma professora, já conhecida de Pedro: Ivonete. O medo se transformou em pànico. A professora se sentou, ajeitou o material que tinha trazido para a aula e começou a olhar para os alunos. Sua fama de brava já era consciente de todos.
- Você ainda não desistiu de estudar, Pedro? Falou a professora, em tom irónico se referindo para o menino, acuado no fundo da sala.
- Não, estou aqui. Vou estudar.
- Eu já disse para os seus pais. Você pode ser um bom mecànico, um bom pedreiro... Mas estudar, não dá. Você não quer estudar, Pedro. Desista.
O menino ficava humilhado a cada palavra de Ivonete e se abaixava cada vez mais na carteira. Não falou mais nada para a professora e nem sequer olhou para os lados. A classe estava lotada e todos quietos, ouviam a professora falar para o aluno que ele não é digno de estar na escola. Pedro continuou indo ao colégio e nas provas de Ivonete estudava além da conta. Ficava o dia todo estudando, e até durante uma boa parte da noite lia os textos da tal mulher que lhe humilhava.
- Desgraçada. Ela vai ver só. Está dizendo que não quero estudar. Falava para o seu irmão, Richard.
- Então estude e prove o contrário pra ela. Faça valer a sua força de vontade, mano.
- Beleza. Ela vai ver só.
Passou-se um, dois, três anos e sempre Pedro passava de ano na corda bamba. Ficava para recuperação e conseguia as notas de que precisava devido a muita força. Não só dele, como da família toda. Numa ocasião, Pedro teria que fazer um texto para Ivonete. Teria que resumir um texto bem longo em apenas uma ou duas folhas. Ele se preparava para as provas de Ivonete, simplesmente resumindo todos os textos e páginas. Tinha adquirido uma habilidade para resumir textos com o passar do tempo. Nesta ocasião, Pedro quis fazer um teste com Ivonete. Resumiu o texto e deu para um amigo seu.
- Vai lá, Rómulo, entregue o meu texto para ela corrigir e finja que é seu.
E o amigo foi entregar o texto. Ela foi lendo e Pedro ficou só observando. Foi quando ela se levantou e disse.
- Classe, é disso que falo para vocês. O Rómulo está com 10 de trabalho. Ele fez o resumo do jeito que sempre peço para vocês. Muito bom mesmo. Parabéns!
Rómulo voltou para o seu lugar, logo na frente de Pedro, aclamado por todos.
- Ta vendo? Ela não me elogia, nunca. Isso é pegar no pé demais. Posso fazer mil e umas e ela nunca vai me achar um bom aluno. O que vale é a primeira impressão ou ela quer me fazer um teste todos os dias? Dizia, Pedro, inconformado - Ele não foi falar com Ivonete e nem sequer Rómulo. Ficou do jeito que estava mesmo. Afinal de contas, Pedro sabia resumir os textos e fazer as provas. Não tinha mais problemas com as notas da professora.
Pedro foi crescendo e sentiu que tinha um gosto especial pelas letras, mas foi só com 16 anos que decidiu o que queria ser quando terminasse os estudos: um jornalista.
No ensino médio, ele ainda ficava para recuperação de algumas matérias, como a matemática, da engenharia ou a química, mas quando começavam as aulas de português, ele se sentia mais livre e não ficava com medo de nada. Sentia-se bem e contente e sentiu uma coisa ainda melhor, quando uma professora mandou os alunos fazerem um trabalho que valia nota para o bimestre todo. Ele fez o trabalho em um dia e os colegas levaram mais de dois meses para concluí-lo. Ao entregar o trabalho no outro dia em que a professora o tinha pedido, ficou até com vergonha.
- Hei, silêncio. Por favor, estou pedindo silêncio - gritou a professora, ao pegar o trabalho de Pedro nas mãos e começar a folheá-lo - Pedro se levante. Olhem para ele e vejam que é para alunos como ele que eu dou aula. O trabalho que pedi ontem já está aqui e além do que pedi. Está ótimo.
- Nossa, Pedro, como você fez? Perguntava um e outro colega. Pedro começou a ajudar todos a fazerem os trabalhos e ouvia muitos elogios.
Começou a escrever críticas para as colunas de opinião de jornais e hoje está terminando a faculdade de comunicação. Já trabalhou como repórter, mais ainda enfrenta dificuldades e humilhações. Não como as que enfrentava na escola, mas dificuldades que faz um homem crescer e saber onde quer chegar, sem desistir da vida e dos seus sonhos. Nunca podem tirar um sonho de você, podem querer destruí-lo, mas ele sempre vai estar lá. Quietinho, esperando a hora certa para acordar e fazer você enxergar que o mundo é feito para todos e ninguém possui o direito de destruir a vida de ninguém.
Hoje em dia, Pedro agradece os professores que teve em seu início de aprendizado. Mesmo tendo problemas na família e não gostando de estudar, Pedro seguiu o seu caminho, foi persistente e agora já pode dizer para os mesmos professores que valeu a pena ser teimoso. Deus pode colocar as pedras em certos lugares para desviarmos ou tirá-las de lá ou até pararmos. Pedro bateu de frente com as pedras, explodiu com todas e enfrentou mais dificuldades ainda, mas venceu e vai vencer ainda mais. Com fé e persistência se pode fazer muitas coisas, até estudar. Que o diga Pedro.
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