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Cronicas-->Gran Finale -- 23/10/1999 - 12:00 (Renato Rossi) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O barbeiro é um dos poucos profissionais à moda
antiga cujo fim não pode ser antevisto com
facilidade. Se a barba pode ser feita em casa com
o auxílio destas maquininhas que tem por aí, o
cabelo dificilmente será cortado na base do faça
você mesmo. Para isso precisaríamos de braços
mais longos e habilidades incomuns. Difícil
imaginar uma máquina de auto atendimento, como
estas para fotografias. Você coloca a cabeça
dentro da engenhoca, seleciona se quer um topete
como o do Itamar ou zerado como o Ronaldo. Pouco
provável, mas se aparecer dificilmente contará
comigo.

Mais que barbeiros, são cabeleireiros,
denominação que era mais reservada aos que
atendem à clientela feminina. Há também os
chamados unissex, no que se refere à clientela e,
as vezes, no que se refere ao próprio barbeiro,
digo cabeleireiro.

Mas a questão hoje é relativa ao barbeiro
tradicional. Faz, como se diz, barba cabelo e
bigode, sem frescura. No máximo um topete. De
quebra oferece uma resenha política e suas
opiniões sobre economia e esportes.
Ocasionalmente, para o clientes antigos, alguma
fofoca da vizinhança. Não sou muito volúvel, de
modo que nos últimos dezoito anos tive apenas
três. Primeiro foi a Divina. Bem, aí começa a
confusão pois ela não era exatamente um barbeiro
como aqueles a que me referi antes. Então melhor
deixar isto de lado. Vou pular a fase em que
cortava com a Divina. Nada contra ela, o problema
é que ela nunca estava lá e ai, acabava cortando
com outro qualquer. Mais ou menos como nas
eleições. Você vota no Filipelli, por que ele
mora no seu bairro, tem formação semelhante, acha
que ele vai defender seus interesses. Depois ele
vira secretário de obras e o Seu Zé das Couves
assume, defendendo tudo o que você não quer. E
nem corrige o asfalto da rua. Deixei a Divina.
Paciência.

Depois da Divina, eu costumava ir no salão do
aeroporto, fiel ao Seu João, até que ele saiu de
lá. Não sei porque Seu João inventou que eu era
estrangeiro. Nunca consegui desmentir. Muito bom
o salão e o atendimento. Lembro agora que, muito
tempo atrás, ainda em Porto Alegre, eu ia em um
salão perto de casa, chamado Dois Amigos. Pela
idade deles imagino que fosse uma amizade muito
antiga. Depois um dos amigos morreu. Uma pena.
Não lembro se o nome do salão mudou para Um
Amigo, se fechou ou o amigo faltoso foi
substituído. É que, nesta época mudei para
Brasília.

Ultimamente tenho frequentado o salão do
Francisco. Não, não se trata de uma nova
profissão de meu amigo e sócio. É que tem
Francisco em todo lugar. São todos ótimos, mas
parecem onipresentes. Outro dia encontrei um na
fila da loteria e ele até prometeu repartir o
prêmio comigo. Pois o salão deste Francisco não
tem as toalhas quentes que o do Seu João tinha, a
cadeira não é tão confortável, mas é mais perto e
mais barato. Nestes tempos de economia é bom
cortar bem rente para demorar mais. Logo que
cheguei ele observou que fazia 45 dias que eu não
comparecia para a sessão habitual. Ele atende
direito e, não sendo cirurgião, faz o possível
para melhorar a imagem do cliente. É cortês,
atencioso, sempre tem revistas novas. Como é
jovem ainda não tem a experiência para as
resenhas políticas, mas ele chega lá.

O único problema está no maldito vício da
profissão. Isto todos tem. Já no Dois Amigos era
assim. Cortam, aparam, perfumam, barbeiam, fazem
tudo direitinho, com atenção e desvelo mas não há
quem abdique do Gran Finale. Quando encerra o
trabalho, satisfeito pelo término, ele vem e
traiçoeiramente coloca um espelho nas costas.
Não tem apelação, sou obrigado a enxergar a
realidade. Neste caso a realidade atende por
calva e é crescente em área e brilho. Não há
perdão ou misericórdia. Não há clemência ou
indulto. Ele prefere abdicar do pagamento a
evitar o Gran Finale. No meu caso em particular o
problema é ainda mais grave porque eu deixo os
óculos escuros no carro e a luz refletida indo e
voltando entre o espelho e a calva ainda vai me
prejudicar tirando-me o orgulho de ainda não
usar óculos.

Na próxima vez, observe o ar de satisfação com
que empunha o maldito espelho. E você tem que
falar dez vezes que está bom, para que ele baixe
o instrumento de tortura. Se não, ele fica lá
indefinidamente imaginando que estou apreciando
sua arte. Quando ele finalmente entende, em lugar
de encerrar o ritual macabro, muito faceiro,
apresenta o outro lado. Novo suplício.

Na academia devem aprender que este ritual não
pode ser dispensado em nenhuma hipótese, sob pena
de exclusão. Cortes, furos, pequenos deslizes são
aceitos, mas a omissão do Gran Finale jamais.
Acho que fazem isto como um ritual de auto
afirmação, para deixar claro que dificilmente
poderão ser substituídos mesmo com a
globalização, desintermediação e seja lá o venha
por aí. Ou lá vamos ou voltamos às cavernas.

Por ironia, mesmo os carecas precisam deles


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