No início, como todo início, tudo é um grande mistério!
As melancias estão sempre doces. Aquele verdinho quase sem cor, quase coladinho à casca, é até bonito para se morder ou chupar. O café da manhã é estúpido de farto! Há uma espera paciente para qual lado a colcha itinerante pendeu. É um cobrir-se constante, mesmo morrendo de frio, para que os amantes, lado a lado, não morram de vergonha dos corpos na nudez desajeitada da cama.
No início, como todo início, tudo é um grande mistério!
As escovas de dente estão sempre juntas. Ninguém irá reclamar se a pasta é mentolada ou não. Há muita paciência e uma espera constante de um para com o outro! Não há tempo exato para programar o relógio: qualquer hora é hora. E, mesmo que um dos dois acorde um pouco, só um pouco mesmo, mais cedo, a ternura de cobrir o rosto marcado pelo travesseiro esperará a melancia do café da manhã farto ficar sem gosto, até apodrecer.
No início, como todo início, tudo é um grande mistério!
O espelho do guarda-roupa não quer mais vê-los se vestindo. Invejoso! É o destino de todos os começos: um querer ficar mais bonito que o outro. O carinho é irritante, quase regressivo! Um quer ver o outro cada vez mais bonito, ou nus, ou prontos para despertarem a fome. Enquanto as roupas escolhidas, pacientemente, esperam mofando sobre a cadeira, a porta do guarda-roupa fecha-se por causa do espelho invejoso, ruborizado... morto de vergonha!
No inicio, como todo inicio, tudo é um grande mistério!
O beijo de bom-dia, depois do banho, do café quase esfriado, da roupa amassada pelo penúltimo abraço, de colocar o telefone no gancho, carrega um gosto de beijo novo. É um beijo diferente daquele dado enquanto namorados! É um beijo que diz: "volto já!", "me aguarda que logo estarei aí", ou "de como o dia será longo e curto!" . Há um certo continuísmo nesse beijo: beijo de eternidade!
No início, como todo inicio, tudo é um grande mistério!
Menino na sinaleira. Filho ou filha? Prejuízo na firma, briga com o patrão: demissão! Uma decisão: azul ou rosa? ... Comer o verdinho da melancia juntos! O carro velho por aquele canto novo: um apartamento, quem sabe?... Cadeirinhas altas de restaurante. Eles crescem! A extensão do plano de saúde. Um videogame de última geração. Mais uma cama. A extração do dente, o gasto com os estudos: a faculdade! A chegada da aposentadoria. O primitivo instinto de amar juntos, sem separação!
No inicio, como todo inicio, tudo é um grande mistério!
A melancia permanece doce no mesmo café atrasado; as escovas estão juntas, com os sem mentol na pasta; o espelho continua invejoso enquanto eles ganham noites; o beijo de bom-dia é dado com gosto novo enquanto a vida cresce um pouco mais com eles, já enrugados.
No inicio, como todo o inicio, tudo é um grande mistério enfim, como todo o fim: tudo é uma grande interrogação!