Nicanor era calmo, voz mansa, olhar vivo de quem apreende o mundo com rapidez e facilidade.Vivia com a avó, pois os pais, separados, moravam em lugares distantes e ele só os via, uma quinzena cada, durante as férias escolares.
Os amigos gostavam de conversar com ele porque Nicanor inspirava paz.
Eu criança ainda, sempre que ia à casa de minha avó, no Benfica,gostava de prosear com ele, ouvir suas lições muito sábias para um jovem de quinze anos.
Naquele tempo, do jeito que minha mãe me criou, eu não tinha noção da morte nem das ruindades deste mundo. Minha visão da vida era verde com as lentes dos óculos Ray Ban.
Uma tarde, levado por minha mãe, fui até a casa de minha avó.
Mas, lá havia um silêncio incompreensível.As pessoas falavam baixo, como se trocassem segredos ou quisessem esconder algo de mim. Dirigi-me, então à Carlota, que embora fosse uma pessoa que trabalhava na casa da vovó, era tida como alguém, da família.
- Carlota, o que aconteceu? Por que todo mundo fala baixinho, murmurando?
Carlota arregalou os olhos e falou:
-Meu filho, o Nicanor morreu atropelado. Ia na bicleta e o ónibus pegou de jeito. Ele já caiu morto, com a cabeça esmagada.
O tempo passou e eu entendi, porque nunca mais pude ver o Nicanor, que a morte tem dessas coisas, tira a pessoa de circulação e do nosso círculo de conhecimento.
Com certeza, porém, Nicanor, pela mansuetude, há de estar num bom lugar.