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Cronicas-->Amarga Salvação -- 31/10/2002 - 16:40 (LuRomana) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Em meio a um som baixo e frequente a jovem mãe contemplava a criança infeliz. Sem dúvida, a melodia da respiração fraca, intermitente transmitia-lhe alguma paz. Enquanto podia ouvi-la, mantinha em sua mente a certeza de que tudo estava bem. Sabia que não seria para sempre. Aliás, já estava preparada para o final. Não... Não estava preparada, na verdade não se conformava. Contudo, mantinha para si mesma, para a pobre criança e para os outros a sua aparente posição de força e coragem.
Num dado momento, pensou não ouvir mais a triste melodia. Seu coração bateu mais forte. Com um terrível medo que beirava as fronteiras do pavor tocou as mãozinhas da pobre criança. Com um alívio, ela sentiu o calor que parecia queimar a ponta de seus dedos. Um estranho sorriso transpareceu em seu rosto. Acometida de um inexplicável sentimento levantou-se. Fixou o olhar na criança enferma e lentamente retirou-se do sombrio quarto. Estava sentindo muita dor, dor essa que impiedosamente parecia corroer-lhe por dentro. Misturando-se ao seu crescente sentimento de impotência, vinha-lhe uma grande convicção: não poderia deixar que ninguém percebesse sua fraqueza. Tinha estabelecido para si mesma que manteria-se de pé enquanto seu filho ainda estivesse vivo. Tal convicção deveria parecer a todos e mesmo para ela um fruto honroso do amor maternal. Ledo engano. Não era fruto do amor. Não passava de um orgulho rígido, sólido que dizia firmemente que ela não poderia fracassar no seu exercício de mãe. Tinha a obrigação de cuidar de seu filho enquanto ele ainda respirava. Era sua obrigação com relação a ele, com a sociedade e sobretudo com ela mesma. Qualquer fraqueza que pudesse transparecer em seu olhar seria uma traição. Com seu filho? Não. Seria uma traição com o orgulho que motivava a jovem. Permanecia, portanto, de pé e como a prestimosa mãe que deveria mostrar-se cuidava do pequeno enfemo.
No entanto, a dor estava tornando-se insuportável. Crescia a cada momento, o que fez a jovem, com terror profundo, perceber que não conseguiria mais satisfazer o seu orgulho que insistia em sussurrar-lhe constantemente que acontecesse o que acontecesse ela deveria ser uma mãe forte e perfeita. A dor tomou tal dimensão que num dado momento ela sentiu que as lágrimas começavam a umidecer os seus belos olhos negros. Assustada, correu até o espelho e olhou sua face pálida. Notou que a dor já estava transparecendo em seu rosto. Não conseguia mais disfarçar. Tentou recompor sua expressão, mas o ar infeliz não saia do seu rosto. Em dado momento de pavor, sentiu vontade de gritar em meio ao seu crescente sofrimento mas conseguiu deter-se a tempo. Transpirava muito, sentia seus olhos mais e mais umidecidos, até que escutou a voz fraca da criança chamando-a. O que fazer? O filho perceberia que ela não era tão forte como parecia. Nesse momento, seu orgulho sentiu em seu auge e vigor a ameaça ao papel de mãe forte e determinada. Desespero. Uma lágrima escorreu, queimando-lhe o rosto ao mesmo tempo que mostrava-a que não passava de uma covarde. Novamente, a voz do filho insistiu em seu chamado. Um rio de lágrimas transbordou dos olhos negros da jovem. Como era fraca!
Deveria cuidar do filho enquanto ele ainda respirasse. Falhara. A sensação de fracasso trouxe em seguida uma outra, esta última bastante singular. Novamente, um sorriso, desta vez dotado de um certo ar macabro, foi refletido no espelho e visto pelos olhos vermelhos, encharcados pelas lágrimas. A jovem assustou com a crueldade que transparecia naquele sorriso. O que era isso? O que a fazia sorrir assim? Tentou lembrar-se da criança que tanto amava. Nesse momento, caiu na armadilha preparada pela sua própria alma. "Deveria cuidar do filho enquanto respirasse...", pensou, "... enquanto respirasse...". Nesse instante, o sorriso ganhou força, força tal que contaminou também os olhos negros, que antes deixavam transparecer somente sofrimento...
Lentamente, com uma expressão fixa, sem movimentar qualquer músculo da face lívida, a jovem aproximou-se da cama da criança. Esta sorriu docemente. Finalmente, a mãe chegara para amparar-lhe. No entanto, assustou-se ao ver a expressão desconhecida no rosto da mãe, encolhendo-se, enquanto sentia cada vez mais forte o palpitar de seu coração. "Vou cuidar de vc enquanto vc respirar", disse asperamente a mãe. As mãos gélidas colocaram-se sobre o menino. Dessa vez, ele não sentiu o carinho costumeiro, pelo contrário, sentiu nascer uma pequena dor, que pouco a pouco crescia. O ar faltava-lhe, o sorriso da mãe perdia sua forma, tornando-se cada vez mais embaçado pelas lágrimas que corriam abundantemente. A criança debatia-se, mas seu físico frágil e bastante debilitado oferecia pouca resistência. A realidade insólita superava o mais terrível de seus pesadelos infantis. Já enfraquecida pela doença, não resistiria por muito tempo.
Subitamente, o humilde cómodo foi invadido por um tenebroso silêncio. O sorriso macabro desapareceu, os olhos negros secaram, as mãos gélidas paralizaram-se. Silêncio. Não existia mais respiração. E, novamente, o terror ganhou força, fazendo ecoar no sereno da noite um grito dotado de tanta dor e desespero que parecia ultrapassar a essência do humano. Irritadas algumas pessoas reclamavam pela interrupção do seu tranquilo sono, mal podendo imaginar que seria este o último som emitido pela jovem mãe...

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