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Cronicas-->Ave Marilda! -- 03/11/2002 - 01:36 (Elpídio de Toledo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos












Ela é cheia de graça quando aparece. Nos seus momentos de esperteza e velhacaria, astuta como ninguém, rouba os melhores momentos de todos os que a admiram, enquanto tentam roubar-lhe tudo que sabe. Tem uma bicaria adunca e uma garra fora do comum para atender as pessoas. Sempre acompanhada de um respeitável senhor, distingue-se das outras mulheres que ali frequentam, por sua beleza, sua finura no trato com todos, por seus dons e por suas esvoaçantes vestes. Parece sempre desejar ficar livre delas, se despeitando, para exibir o que de graça recebeu, quando nasceu, o que sabe desenvolver sustentavelmente. No barraco, se não há risos repentinos, inveja, ciúme, temor, ódio, soberba, então, da conversa entre mulheres não tem Marilda. Sua graça completa é Marilda Mauriss. É, realmente, rara, inconfundível.
Dança como ninguém, enquanto serve aos presentes, auxiliando aquele senhor nas curas e magias. Mas, qualquer aliança ou carteira de identidade que esteja por perto, naquele momento, some como que por encanto. Terminada a seção, ela parece estar em todas as cabeças de uma só vez. E todos sonham ter um filho dela. As mulheres até adotariam uma cria sua. Uns até apelam para que Deus os perdoem, pois, em lugar de um coitado, naquela ora dão breque e desejam um filho de Marilda. Muitos passam a vida inteira desejando os encantos de Marilda. E ela nunca envelhece. Está sempre lá, em todas as noites, em meio aos homens e as mulheres, dançando e sorrindo, dando uma canja para alguns e tirando a graça de outros.
Sempre que acordo vou lá e peço-lhe canjiquinha, pelo menos. De vez em vez, saio sorrindo, contagiado por ela. Outras vezes, ela me põe pra dormir, sem direito a nem mesmo sonhar. Apenas, dormir. Coisa sem graça. E, quando sonho, já não sei se estou acordado ou dormindo mesmo. Marilda é uma ave especial. Ave Marilda!
Nos seus horários de folga, ela faz visitas aos pobres dos morros da capital. Hoje ela contou-me que foi ao Morro do Papagaio. No primeiro barracão, entrou e entregou à Maria uma cesta básica. E foi logo perguntando, por causa do aroma que vinha do fogão à lenha, sobre o que estava sendo cozido. Era sopa de papelão. No segundo barracão, era capim com um pouquinho de sal que a dona ainda tinha. E, no terceiro, viu o menino comendo cocó, de tanta fome. Marilda flagrou tudo isso, mas socorreu com alimentos os três barracos. E convidou as três famílias para conhecerem a sua tenda de curas e magias.
Dirigindo seu fusca, durante a carona que me deu, estava muito preocupada com a notícia sobre a gasolina. "Mais 12% de miséria, atrás do aumento do preço," disse ela. Pediu-me para usar gasolina de qualquer posto, menos dos pintados de verde e amarelo, para forçar a baixa do preço. Se os governantes passassem por perto, nenhum garotinho comeria papelão, nem capim. Lula, pra ela, tem que entrar nos morros e ver o que está ocorrendo.
E, desta vez, ela deixou-me bem acordado.
Ave Marilda!

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