A vida daquele casal era a síntese da monotonia. Viviam no esquema "trabalho-cama-viagem de férias." Certo dia chegou bêbado e triste. Procurou sua "amada" com passos débeis que se perderam no encarpetado da sala. A viu só, sentada à mesa da copa lendo os jornais de nosso tempo. Perguntou à ela meio sonso, mas totalmente sincero: "Eu ti amo?" Ela respondeu assim: "Você pagou a conta de luz hoje?" Ele: "Paguei. Eu ti amo?" Ela: "Você sabe que detesto quando você bebe." Ele: "Eu sei. Eu ti amo?" Ela: "A pizza que encomendei está na cozinha, não deixe de lavar os talheres!" Ele: "Lavarei os talheres. Eu ti amo?" Ela: "Na semana passada, você perdeu o horário cinco vezes, deixe de ser este verme preguiçoso." Ele: "Acordarei cedo. Eu ti amo?" Ela: "Meu salário é maior do que o seu. Sou mais dinàmica que você. Sou uma mulher moderna e me casei com um paspalho. Sua inoperància e caridade me irritam. Sua condição de comodidade, perplexidade aos novos tempos e intolerància ao sucesso, me enojam. Precisamos vencer homem! Acorde!!!" Ela pegou um livro de poesias e lançou com violência contra um espelho ornado por relevos de florezinhas. Ele, catatónico, tentava juntar os estilhaços: "Eu ti amo, eu ti amo..."