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Cronicas-->O frio -- 18/07/2000 - 00:46 (Mário Martinez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O frio

O frio era sempre bem-vindo lá em casa. Acontecimento esperado,
preparado e comemorado. Cobertores e casacos eram
cuidadosamente tratados durante o ano todo numa expectativa só
comparada à da espera do natal, ano novo ou casamento de prima.
Estocava-se guloseimas, mantimentos e tomava-se todas as
providências para que ninguém adoecesse com a baixa da
temperatura.
Um exagero, é claro. Isso se devia à raridade com que esse estado
da natureza nos dava o ar de sua graça em minha região. Um, dois,
quando muito três ou quatro dias por ano. E havia anos em que
sequer sentíamos aquele arrepiozinho na pele.
Na verdade, o frio era para nós quase um desconhecido, como
aquele parente distante que nos visita com pouca frequência, mas a
quem esperamos com ansiedade.
Não importava muito a temperatura, se com vento ou geada, o frio
tinha outra utilidade para a gente da minha casa. Era um pretexto,
a oportunidade que tínhamos de sentar em volta do fogão à lenha,
comer do milho cozido na manteiga, ouvir moda de viola e apreciar
as inúmeras histórias de meu avó. Histórias que entravam noite
adentro e que nos levavam para os sertões e traziam-nos rios,
noites de lua cheia, mortes, homens e mulheres.
Naqueles dias de frio provávamos de um calor que nos revigorava.
Era quando todos deixávamos de lado a vida corrida para buscar o
calor da lareira do fogão. Mas o calor não estava nas brasas do
fogão. Vinha daquela maneira, daquela simplicidade para as coisas,
daquela vida devagar tão rara hoje em dia.
Hoje já não espero mais o frio como antigamente. A frieza que a
vida nos impõe a cada dia fez com que me acostumasse com os
arrepios.



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