Curitiba, julho de l955. Inverno. Frio de antigamente.
Meu pai chega em casa com uma caixa enorme.
- Meu filho é para você passar as férias.
Abri com volúpia. Livros. Eu mal saído das primeiras letras recebo livros de presente. E logo uma coleção inteira de Monteiro Lobato. Meu velho comenta:
- É obra de um grande comunista!
Lembrei: "Comunista come criancinhas".Meu avó, integralista camuflado, sempre dizia isso para irritar meu pai.
Muitos volumes. Na parte ´Os 12 Trabalhos de Hércules´ separei´ O Touro de Creta´ e parti para o quintal, rumo ao meu galho preferido na velha pereira, refúgio de todos os medos e de todos os sonhos do menino de oito anos que um dia fui. Foi ali, em cima da árvore que tomei conhecimento da Mitologia Grega através das aventuras de Pedrinho, Emilia e Visconde de Sabugosa. Aprendi saboreando o sol e a solidão que a união, a amizade, a solidariedade, a inteligência, além da força física é que concretizavam as vitórias de Hércules perante os desafios de Euristeu e Juno, no Olimpo impondo-lhe impossíveis trabalhos. Quase sem parar devorei: O Minotauro, A Chave do Tamanho, O Saci, Reinações de Narizinho, e todos os outros. Naqueles livros assimilei muito do que de melhor contém minha personalidade, pois, os defeitos são de minha própria obra.
De alma lavada, sentindo-me tão herói quanto Hércules me recolhia ao fim da tarde para continuar vivendo as aventuras embaixo dos cobertores à noite.
Sei que naquele inverno, naquela árvore, nos 12 Trabalhos de Hercules, enfim, nas obras de José Bento Monteiro Lobato aprendi a sonhar com um mundo mais justo, descobri a poesia, o sentido da vida, os valores do ser humano, a magia dos livros. Descobri também, entre uma página e outra, com a brisa fria lambendo meu rosto, o valor da liberdade. E também que comunista não comia criancinhas.