No chafariz do centro da cidade eles se banham. É a piscina que restou aos pobres, donos das ruas e do medo. Suas casas são imaginárias: ora calçada, ora descalça. Um trago no tubo de cola carimba seus passaportes. Os cassetetes da polícia lhes barram na alfàndega. Jogam no chão a esperança, derramando um sangue que não corre nas veias do sistema. Estão fora, marginais com menos de 15 anos. Mendigos sem planos, saúde, consumo ou futuro.
O mais novo aparenta ser a mais velha das crianças, apesar de não usar maquiagem. Ali onde a lei é a desordem pedem esmolas, fazem pequenos furtos e brincam com o destino. Muitos se prostituem por pouco. Ainda assim recebem mais do que valem seus clientes. A energia e criatividade das crianças é imensurável. Mas "navegar é preciso" - já disse o poeta - e eles querem ir além: buscam a coca, a cola, o crack e o Nike.
Ao longe observam o parque de diversões. Não possuem o ingresso, mas com gírias e gestos ameaçam outros filhos da ordem e do progresso. É o Brasil vazio, corrupto e infeliz. É o lado de dentro do chafariz. Onde mergulhamos as vistas mas não enxergamos a alma, a essência. Ficamos secos eximindo-nos da culpa e alimentando com esmolas o sistema que exclui e mata.