Do alto onde estava, em cima do telhado, procurava algo em todas as janelas de vidro. Varava as cortinas na busca de um desenho em qualquer formato. Forçava a mente, o pensamento e nada. Desejava ver o invisível, distante.
A mãe incomodada com a presença frequente do rapaz sobre o telhado, ordenava:
- Desça daí rapaz, não há nada em cima desse telhado que possa lhe
agradar.
Ela não sabia o que ele buscava. Sempre estava a pular a janela do apartamento e acomodar-se no telhado ao lado. Acreditava achar aquilo que procurava mais cedo ou mais tarde. Sentia uma sensação de presença e não presença ao mesmo tempo. Sentou-se nas telhas e procurou fugir de si mesmo, adormecer. Fixou o olhar no céu rabiscado de nuvens brancas, formando com elas, imagens místicas, que em fração de segundo, lhe escapava do quadro imaginário:
"Será que os anjos estão a brincar comigo?"
Voltou a refugiar dentro de si, a meditar sobre a reportagem que viu na tevê, noite passada. Ficou impressionado com tanta gente a fixar o desenho refletido num vidro da janela. Bem ali, na cidade vizinha, cortada pelo rio. Noutras também. Muitas janelas de muitos lugares, não na dele. Sentiu arrepios estranhos e começou nova busca pelos vidros das casas paralelas. Buscava...
O quê mesmo? Não sabia. Ou sabia?
Repentinamente o seu olhar parou curioso sobre uma telha de vidro que fora colocada ali para clarear o sótão, no térreo.. Tantas telhas e só ela diferente, de vidro? Só agora percebia. Toda empoeirada quase escondida e embaçada. Chegou mais perto, olhar atento, penetrante. O coração batia forte parecendo um zabumba fora do ritmo. Um contorno estranho se realçava. Questionou o desenho e ficou assustado. Parecia ver uma fada, um quadro feminino, uma princesa. Confundia-se. Com mãos trêmulas fez carinhos naquela gravura que lhe chamou a tenção. Concentrou-se. Fechou os olhos... Ouviu uma melodia suave que lhe trouxe a calma. Sentiu um abraço envolvente, protetor e aconchegante. Uma paz. De onde? De quem? Não encontrou respostas para suas indagações. Elevou os pensamentos aos céus e rezou. O vento brando acompanhou o sol que se despedia, dando espaço para a chuva fina que se aproximava. Forçado a descer do telhado, debruçou-se na janela e ficou a observar a água da chuva lavando a telha de vidro e a tinta do quadro da sua falsa visão.
Pirapora MG agosto 2002
Juraci de Oliveira Chaves
www.jurainverso.hpg.com.br