A menina sonhava com o castelo encantado e com a lua no mar. Sonhava coisas simples, que qualquer um imagina ou sente, mas não sabe explicar. Escrevia nas paredes do quarto sua história de dragões e princesas. Desde cedo imaginava que a vida era de sonho e cheia de cor.
Ninguém alcançava a menina. Correndo de lá pra cá ela enlouquecia o porteiro, a vizinha, o amigo. Cabelos no vento. Olhos soltos no mundo. Ninguém entendia o amor da menina pelos cachorros e gatos. Pela avó do vizinho. Pelo sítio da tia em Magé. Por melancia. Pelo menino malino que puxava sua trança no recreio. Ninguém entendia por que era tão apaixonada em jogar bola depois da aula. Andar de bicicleta. Pisar no chão gelado. E no amor da menina ninguém mandava. Faz aula de balé, estuda pra prova, não sai no chuvisco. Mas no amor da menina ninguém colocava o dedo, não gritava, não ameaçava umas palmadas.
Onde a menina se sentia livre era ali. No castelinho que criou embaixo da cama e onde colocou sonhos e bonecas, os jogos de lego, quebra-cabeças, livros de montar, palavras-cruzadas.
Mas um dia, num belo dia chuvoso, bom pra brincar com as poças d´água, forçaram a menina crescer. Sai daí menina, que mocinha não faz essas coisas! Pensa no futuro, que você já está grandinha!
Deixaram de chamá-la de menina e ela entristeceu e murchou. Estudou latim e alemão, fez medicina, casou com advogado, teve filhos no internato.
De quando em vez a menina fecha os olhos e voa. Sonha com o circo e em ser bailarina na corda bamba. Sonha com seu vestidinho estampado de domingo. Sonha com o sorriso do menino malino que derrubava seus livros no recreio. Com a pipa no céu azul do rio. Sonha com desenho animado e sítio do pica pau amarelo. Com zoológico, morar no quinto andar de descer correndo as escadas, brincando de foguete.
E nesses sonhos perdidos de menina, que insistem em passar num cineminha de caixa de sapatos, tropeça, cai e levanta.