Penso que é melhor encarar a realidade. Por tempo meu conservadorismo afastou a hipótese, mas resolvi deixar o tesão solucionar. E o tesão é livre. Entrar sem bater pode ser uma boa forma de surpreender, mas já estava sendo esperado. Sentei-me no canto do ateliê enquanto era dominado pelo seu olhar. Até conseguir virar o jogo, que muito me fascinava, era seu escravo.
Dos milhares de discos o vinil que escolhi tocava flauta doce. O som transporta-nos, e o de flauta para um lugar que nossa consciência geralmente ignora. Um pouco de tinta faz do coletivo figuras que as palavras não expressam, e o verde, azul, vermelho e rosa misturam nossos desejos. Abre-se um corredor entre as cores, os pincéis, o pano e a água que já serviu para limpar os fios do pincel. O olhar torna-se tentador. Ameaçador, para ser mais preciso.
Arrepio-me só de lembrar as suas mãos de inverno tocando minhas costas. Aproveito para virar a taça de vinho em desespero à ação que não cessa. E na cabeça imagens da fantasia de minhas mãos, agora tremulas, invadindo o pré-sono solitário de dias posteriores. Não me entregar, por quê?
Seu toque resolve escancarar a intenção. O zíper já não é mais problema. Seus lábios suaves descem e sobe a acúmulo do grito contido. Agora é livre, público, o que há pouco escondia. E livre também do plástico que só sobrevive à primeira tentativa. Agora é soltar em sua barriga, seus seios e onde mais alcançar o quente suor de nossos corpos. Melhor colocar um Mutantes e acender outro cigarro. Transportamo-nos para outro plano, sem rumos e sem meias. Pela manhã uma fruta antes do beijo de despedida. Agora foi. Estico o dedão sinalizando ao motorista do ónibus. Desço no meu ponto e o domingo continua. Mais vivo e ensolarado.