Ainda Restam Esperanças
(por Domingos Oliveira Medeiros)
Camila é o seu nome. Ainda não tem um ano. Pouco mais de seis meses. Monossilábica, como todas as crianças de sua idade. Cabelos entre ruivos e loiros. Imagina-se. Pois ela os tem poucos. Quase careca. Olhos azulados. Acorda e começa a dar ordens na casa. Sua fala monossilábica é suficiente. Todos a entendem. AU-GU-DA-DA, UM-BE-PA-PA, ERG-HIG-PUSH. Fácil, não? Ela disse, claramente: "Vovó, estou muito feliz por estar em sua casa. Tive um sono bem tranquilo. Fala para a mamãe, ou para o papai, que estou com fome. Arg", que dizer, acho que fiz cocó! Alguém precisa tomar uma providência! Trocar minhas fraldas.
Depois, ela disse buá, várias vezes, o que significa: quero minha mamadeira. Pode ser depois do banho. Cuidado para não deixar entrar o ar em minha garganta. Pode provocar dor de barriga e, quiçá., soluços. Hic..Hic. Não esqueçam das palmadinhas nas costas para que eu possa arrotar. E nada de balançar meu corpo pra lá e pra cá. Posso vomitar. É azedo e sem graça! Ah, vovó, ia me esquecendo do seu beijinho. Veja se assim está bom!
Todas as crianças são iguais perante as leis. As leis do coração, evidentemente. A Camila não é diferente. Só espero que ela não tenha pressa para crescer. O mundo ainda não está pronto. E já apresenta muitos defeitos. Precisamos passar uma vassoura para que as crianças o encontrem um pouco mais limpo. Tem muita sujeira. E muita coisa fora do lugar. E de lógica.
Enquanto a Camila não cresce, bem que poderíamos adiantar alguma coisa. Os velhos, com a sua experiência, deveriam encontra um jeito de repassá-la para os mais jovens. Os mais jovens, por suas vez, deveriam ser mais ousados. E cobrar mais das autoridades. E participar mais da vida social e política. Lutar pelos seus direitos. Só desse modo, todas as "camilas" poderão desfrutar de um modo melhor que o nosso.
Nós deveríamos fazer como a Camila. Brigar pelos nossos direitos. Direito de comer, de fazer cocó, de rir e de chorar. Direito de dormir tranquilo e de uma casa para morar. Direito de arrotar. Direito de tomar banho. Direito de viver. De crescer. E de cobrar.
É Camila, você está coberta de razões. Faça uso de sua cidadania. Pule, grite, reclame, exija. Não dê moleza para os políticos. Nem para os nossos governantes. E nunca perca a esperança.
E aceite as minhas desculpas, caso não encontre um mundo à altura de suas expectativas. Não sei se fizemos tudo que deveria. De qualquer modo, fizemos alguma coisa. Na verdade, estive pensando: acho que os políticos não têm netos.