Impotência. Como é difícil manter sufocado um sentimento como este! Não me refiro ao tipo de impotência que passa pela nossa cabeça todas as vezes que lemos ou ouvimos essa palavra. Não me refiro a performance da libido. Hoje em dia não há motivos para um leigo escrever sobre este assunto. A ciência já se incumbiu de resolve-lo, na grande maioria dos casos.
Meu propósito é o de envolver-me na seara dos psicólogos e externar alguns pensamentos ditados pelo péssimo estado de espírito que vem pautando, com insistência progressiva, minha existência, principalmente nos últimos tempos. Entendamos este propósito como um exercício de auto-análise.
Localizo e adoto o termo "impotência" como o mais apropriado para definir meus sentimentos.
A maior similaridade entre as impotências sexual e existencial está situada no fato de que ambas são sufocadas pela vítima. A hipocrisia do pudor impede a exteriorização das angústias do impotente sexual. As hipocrisias impostas pelas convenções - religiosas e sociais - torna conveniente à vítima enrustir sua impotência existencial.
A levar ao pé da letra tudo o que ouvi, vivi e assimilei nestes meus muitos anos de vida, estou irremediavelmente condenado a cumprir o resto de meus dias aqui na terra sob o patrocínio da hipocrisia.
Sempre fui e continuo sendo conduzido como uma marionete nas mãos das convenções. Cumpridos meus dias aqui, também estarei irremediavelmente condenado ao inferno, do ponto de vista dos católicos, ou à s regiões dos espíritos impuros, do ponto de vista dos espíritas. Cito estas duas doutrinas porque são as que conheço melhor.
Como atender os ditames da condição humana sem se sentir ingrato, insensível e impuro? A rigor, em minha modestíssima opinião, é impossível. Senão, vejamos:
- Não podemos nos aborrecer;
- Não podemos desejar o sexo oposto;
- Não podemos nos fartar da comida que gostamos;
- Não podemos sentir preguiça;
- Não podemos ficar ansiosos;
- Não podemos deixar de agradecer um elogio, mesmo que insincero;
- Não podemos revidar um insulto;
- Não podemos gostar de uma ereção, mesmo que involuntária;
- Não podemos rir de anedotas picantes, mesmo que sejam inteligentes;
- Não podemos reclamar dos desconfortos, mesmo dos mais atrozes;
- Não podemos, quando casados, sentir vontade de sermos amados;
- Não podemos romper os laços do casamento, mesmo que não estejamos felizes.
Isto é apenas uma pequena mostra. Há quem não cometa, ou sinta grande vontade de cometer, mais de uma escorregadela destas, mais de uma vez por dia, todos os dias?
Pelo que ensinaram-me, só o fato de pensar ou sentir vontade já está errado.
Tenho, como homem dotado de inteligência e razão, todos os desejos, ambições e aspirações comuns de meu tempo. Como animal, tenho todos os meus instintos naturais. Estas propriedades caminham em sentido diametralmente oposto aos ensinamentos doutrinários e religiosos.
De nada adiantam meus esforços. Não vejo como neutralizar os apelos da carne, do estómago, do bolso e até mesmo da vaidade. A única forma é ignorar esse estado de repressão que me é imposto diuturnamente, ou me resignar à condição inevitável de impotente sexual e existencial, o que significa vagar pela vida como um morto vivo.