Choro sinceramente, sinceramente. Sem pena de mim, sem dor vazia que faz chorar por nervos por um dedo machucado, sem alguém que veja, sem a minha teatralidade. Choro verdadeiramente sendo eu, sendo Ieda. E nada. Devo esperar que alguém me ajude, sinceramente? Que algo aconteça, sinceramente? Pra só aliviar, um pouquinho, um abraço forte daqueles que se sente que a pessoa foi feita pra você, porque te abraça tão bem? Meu amor, cadê você? Pode ser? Não? É, engraçado... Eu choro.
Choro em posição fetal, lembro de um filme que eu vi, uma cena... Eu sou um filme que eu vi e uma música que ouço, sou uma personagem que chora num texto que quase ninguém vai ler... Olá, eu sou uma invenção. Podem passar pelas linhas sem se importar com meu choro e meus pedidos de ajuda embutidos. Eu não sou ninguém... Eu devo ter visto um filme muito triste quando criança. Eu devo ter ouvido músicas tristes demais.
Choro prevendo o desespero, o da sensação de... Qual é mesmo o nome? Não importa, vocês não precisam dele. O que eu faço com tanto desespero? O quê? O quê? O quê? O quê. Escrevo? Pinto? Grito num travesseiro? Me tranco num quarto? Num canto, bêbada? O quê? Escrevo pra quê? Pra quem? Pra ninguém sentir o que eu sinto, porque escrever é fazer coisas dexistirem, e ler o que alguém sente não é nada? Nada. Por aqui, senhores... Que ninguém jamais vai chegar perto de mim, porque eu sofro assim, por ser, única (fabulosa e inútil), e ninguém jamais vai saber o que é isso, quem eu sou? Sei sim... E vou morrer e ser esquecida, como se nada tivesse acontecido, dando uma sensação incrível de "então, pra quê?". Eu grito, grito, grito, grito, muda, quietinha no meu canto agarrando as pernas no corpo que eu odeio, pra não incomodar meu pai que dorme, pra não assustar os vizinhos e as crianças brincando de ser feliz lá embaixo, bem lá, lá longe, pra não atrapalhar a ordem perfeita de um final de semana, alegria e descanso, pra não ver de novo meu pai chorando por mim, ele que nunca chora, pelo amor de Deus, se Deus souber amar, não faz ele chorar, não. Só isso eu peço, se o Senhor ainda gostar de mim... Dói minha cabeça, meu corpo todo, o lixo que eu sou, porque eu sou um lixo e me odeio, e se me odeio, eu me sinto um lixo. É assim. E o que fazer? Vou ali humilhar alguém e volto já? Me amo, pra ser amada? Quem vai acreditar em mim? Calma, senhores, já vamos chegar (a lugar nenhum).
Alegria, recomendam... Devo tomar a superficialidade como cura. Sorrir e conversar como se no exato momento eu não estivesse prendendo o choro, o grito, a dor, o ódio, a faca de quando eu tinha 12 anos de idade e queria me matar, os comprimidos, o dedo na garganta, pra vomitar até eu estar tão limpa que eu possa chorar fazendo barulho sem me importar, não, aí já é demais... Choro sinceramente, pra ninguém ouvir. Ninguém ouve. Ninguém. Só eu aqui, só... Cadê? Cadê aquela promessa toda que a gente se fez? E a sinceridade e a companhia? Os amigos, os namorados, a boa vida? E o sorriso no final do filme? E o aviso de que tudo vai ficar bem? Quem ainda se engana? Quem ainda pode entender alguém que chora e dizer sem dedos cruzados e frases feitas para momentos inoportunos que "vai passar" ? "Meus pêsames", senhores. A felicidade é um mito de músicas, filmes e estória, com "e", um vício que não conseguimos largar, que eu não consigo, e choro... A busca hedonista da vida boa... Alegoria. O corpo todo cansado... Ouço barulhos no quarto ao lado... Meu pai acordou... Tenho que limpar as lágrimas pra ele não ver, pra eu ser a filhinha que só trás alegria e alguns gastos, como tem que ser... Nada não, pai... Só um pouquinho de indisposição, dor de cabeça e resfriado... Vou deitar um pouquinho... Passa já, já... Deito, em posição fetal...
Final do ato. Fechem as cortinas... Podem ir, agora.