AMOR! Durante toda a minha vida consciente venho me deparando com ele. As informações invadem-me através dos olhos e dos ouvidos em profusão. Ele já inspirou enciclopédias; já eternizou poetas, escritores, escultores e pintores; já imortalizou autores de filmes, de teatro e de músicas; já sensibilizou e emocionou, até Ã s lágrimas, platéias incontáveis em todo o planeta.
Os argumentos que o cantam e decantam transitam do lirismo e do angelical mais exacerbados, passam pelo profano mais descompromissado e atinge, no extremo inferior, o erótico mais vulgar.
Contudo, independentemente da forma, do estilo ou do veículo usados para exprimi-lo, há sempre dois personagens centrais, necessários e imprescindíveis. A forma de amor a que me refiro exige sempre a presença participativa de um HOMEM e de uma MULHER.
Os enredos, seja qual for a forma de expressão (prosas, versos, músicas, mármore, tela, etc.) retratam sempre os mesmos sentimentos bons ou maus: ódio, paixão, ternura, ciúmes, afeto, mágoas, carinho, frustrações, desejos, platonismo e outros mais.
Em seu nome e por causa dele já houve assassinatos, suicídios, crimes variados e até guerras.
Mas, porque estou escrevendo isso? Não, eu não estou cometendo a audácia de tentar desvendar-lhe os mistérios. Quem sou eu para enveredar-me em profundezas tão insondáveis? No mínimo seria o cúmulo da pretensiosidade. Shakespeare ou Cervantes, duas referências de competência, conseguiram?
Minhas pretensões são bem mais modestas. Procuro apenas localizar as razões de meu ceticismo e de minha insensibilidade em relação ao amor. Quero apenas situar-me e tentar entender, o mínimo que seja, este sentimento tão misterioso.
Consigo sentir respeito à s pessoas. Chego até a admirar algumas. Gosto de ser amável. Sinto-me bem quando favoreço o bem estar alheio. Sinto-me mal quando, mesmo que inconscientemente, provoco algum desconforto à alguém. Julgo-me benevolente e até mesmo generoso. Porém, sou doutor na arte de reprimir-me, esconder ou dissimular meus sentimentos. Nenhuma mulher percebeu, até hoje, o quanto a desejei. Jamais dirigi, a quem quer que seja, um comentário mesmo que levemente insinuante. Nunca ousei fitar uma mulher nos olhos demoradamente. Não me lembro de ter esboçado um sorriso que não fosse entendido como mero sinal de simpatia.
Poderia debitar tudo isso à minha incorrigível timidez. É possível até que ela tenha sua parcela de culpa nessa minha postura. Porém, como justificar minha insensibilidade e minha capacidade de não me emocionar?
Algumas poucas vezes, ocasiões em que tudo estava a meu favor, permiti-me algumas aproximações mais estreitas com mulheres. Não consegui me encantar com nenhuma delas. Um caso ou outro não passou de um drink. Outros, muito poucos, chegaram até a cama. Nenhum, entretanto, conseguiu entusiasmar-me.
Tudo isso incomoda-me bastante. Tanto que venho tentando, mais uma vez, um tratamento terapêutico. Certa feita cheguei a dizer à minha terapeuta o quanto eu estava me sentido só, uma solidão pesada, um isolamento completo.
Em outra ocasião, quando conversávamos - minha terapeuta e eu - sobre as festas de fim-de-ano patrocinadas pelas empresas, ouvi dela um comentário mais ou menos assim:
"Essas festinhas são um perigo! São a oportunidade em que homens e mulheres casados se entusiasmam além da conta e se entregam a aventuras perigosas. Querem experimentar emoções diferentes e se dão mal. Conheço muitas histórias..."
Posso estar enganado, mas senti neste comentário um certo tom de ironia, como se fosse um julgamento. Pareceu-me que minha terapeuta externava o comentário em tom condenatório.
Concordo com ela em parte. Como homem de RH que fui, também conheci muitas histórias. Não consigo admitir, entretanto, que a busca de experiências diferentes possa ser condenável. Quisera eu ter o estímulo, a motivação ou a CORAGEM de "cantar" alguém numa festa. Quisera eu ter a capacidade de, ao despertar o interesse ou a simpatia de uma mulher e ser por ela "cantado", corresponder e me dispor a viver, mesmo que poucos, alguns momentos de felicidade apesar dos riscos que poderia estar correndo. Eu correria riscos sim! E muitos! As convenções, os regulamentos moralistas e os fariseus apedrejadores de plantão não perdoam.
Mas, relembro o comentário da terapeuta porque, a partir dele, desenvolvi algumas reflexões, situando-me no centro delas.
Quem são, ou melhor, que tipo de pessoas procuram emoções diferentes? Seriam as irresponsáveis e inconsequentes? Seriam as desprovidas de um mínimo de razão? Ou seriam as que estivessem sufocadas por algum tipo de carência? Uma pessoa feliz se entregaria a uma aventura dessas?
Estamos todos nós preparados para viver o amor da forma que ele realmente é? Esta pergunta é pertinente se forem consideradas as consequências . Tanto na literatura como no teatro ou na música, o amor é mostrado em sua inteira realidade. Uma realidade triste e cruel. Percebe-se que as obras de maior sucesso são justamente as que retratam com maior competência o lado trágico e doloroso do amor. O pior é que não há exagero. A vida amorosa, longe dos livros e dos palcos, a vida real, produz mais tragédias e lágrimas do que triunfos.
Minha terapeuta, ao ler o que escrevi até agora, poderá pensar que consegui um razoável tratado de pessimismo. Caso isto ocorra, ela estará certa. Minhas reflexões conduzem à conclusão de que, do meu ponto de vista, não há felicidade a dois.
Mas, pensando melhor, percebo que estou enganado. Há sim pessoas que conseguem viver o amor verdadeiro, aquele que exige renúncias, conformismos, entrega, doação constante, tolerància, paciência e resignação. São os Santos. Muitos já estão até canonizados. Detalhe: são muito poucos os que têm vocação para a santidade. Eu não tenho. Você, caro leitor(a), tem?